RESENHA: O Árabe do Futuro: Uma Juventude no Oriente Médio (1984-1985) - Riad Sattouf

      Ao mesmos moldes de "Maus" de Art Spiegelman, "O Árabe do Futuro" é um quadrinho autobiográfico no qual o autor francês Riad Sattouf relata como foi sua infância no Oriente Médio após sua família deixar a França para viver na Líbia e posteriormente na Síria. Riad é filho de pai sírio e mãe bretã, seus pais se conheceram na França socialista, onde a família tem uma vida estável até que seu pai recebe uma proposta de emprego para lecionar em uma escola líbia. Temos aqui o primeiro choque cultural no quadrinho, a família de Riad sai de um regime socialista para entrar em um país que está sob a ditadura de Kadafi.


      Possibilitar ao leitor como esse choque cultural é visto pelos olhos de uma criança é o principal destaque da narrativa. Na França, Riad, com seus longos cabelos loiros e olhos claros, era paparicado e mimado aonde quer que fosse. Já na Líbia suas características passam a ser vistas como estranhas. A organização social e política do país também chamam a atenção: as portas das casas só têm trincos do lado de dentro e as pessoas não têm casas fixas, quem encontrar uma casa aberta tem a permissão para entrar e tomar posse imediatamente, esse é o regime das massas adotado no país. A comida é racionalizada e o governo controla toda a distribuição que é feita para o povo. A imagem do ditador Kadafi está presente em todos os lugares: em cartazes, outdoors e também na TV, o tempo todo. O pai de Riad, estando mais perto de suas raízes, aos poucos começa a se revelar e a expressar alguns sentimentos que nos permite ter um vislumbre do que se esconde debaixo de sua personalidade. Ele acredita no pan-arabismo, que é a união dos povos de língua árabe, e acredita que para que isso possa ser alcançado é preciso deixar o fanatismo religioso para trás e buscar o conhecimento através do estudo acadêmico. Apesar dessa crença, percebemos nesse ponto que o pai de Riad tem muitos pensamentos retrógrados e atitudes racistas, e que não se preocupa nem um pouco em esconder isso do filho.


      Depois de uma rápida volta a França a família de Riad vai para a Síria, onde seu pai consegue um novo emprego. Na sua terra natal o pai acredita que a família terá uma vida melhor, mas o que vemos aqui não é bem isso. Na Síria sob a ditadura de Hafez al-Assad temos o segundo choque cultural na história, os costumes se tornam ainda mais estranhos e o povo vive muito próximo da miséria. E para piorar, estando mais perto ainda de suas raízes, o fanatismo e os preconceitos do pai de Riad se tornam ainda mais evidentes.


      "O Árabe do Futuro" é muito mais que uma simples biografia, é também um documento histórico. As diferentes culturas e costumes árabes sempre foram completos desconhecidos pra mim, sempre que os jornais falam sobre esses povos o tema é a guerra ou o petróleo, acho que mesmo sem perceber a gente acaba associando esse povo somente a isso. Não procuramos entender a origem de seus conflitos religiosos, nem sua história ou sua política. Esse quadrinho me permitiu um pequeno vislumbre desse lado mas sei que ainda tenho muito a pesquisar se quiser entender melhor o assunto. Além do valor histórico e cultural, a obra também serve como um alerta para os efeitos que comentários e atitudes racistas, machistas, homofóbicas e xenofóbicas podem ter em uma criança que vive próximo de um adulto tóxico ou fanático. Fiquei curioso para saber o que vai acontecer com Riad nos próximos volumes.

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