RESENHA: As Ilhas da Corrente - Ernest Hemingway

      "As Ilhas da Corrente" é a primeira obra póstuma de Hemingway publicada após seu suicídio em 1961. O autor americano da "geração perdida" deixou mais de 300 manuscritos, dentre obras acabadas e inacabadas, uma delas se consistia nos três tomos que viriam a formar esse livro. Dono de uma personalidade complexa e depressiva, e de uma extensa lista de problemas pessoais e de saúde, Hemingway desenvolveu um estilo de escrita único e intrigante, sempre colocando muito de si nos personagens que criava. O protagonista de "As Ilhas da Corrente", Thomas Hudson, não foge à regra. Somos apresentados aqui a um típico alter ego do autor: melancólico, depressivo, beberrão e ermitão.

      Na primeira parte do livro, intitulada "Bimini", vamos acompanhar a vida pacata do protagonista. Um pintor que depois de viajar o mundo afora, conhecer muitas mulheres e farrear bastante, decide ir morar numa ilha das Bahamas, onde se dedica a pintura e vida náutica entre um drinque e outro. Sua rotina é quebrada quando seus três filhos resolvem visitá-lo e passar um tempo com o pai. Essa primeira parte do livro se destaca pelos momentos de alegria e tranquilidade compartilhados por amigos e família à beira mar. É uma leitura leve e acolhedora, repleta daqueles deliciosos momentos de isolamento que só a literatura marítima é capaz de nos proporcionar. Mas depois da calmaria vem a tempestade... Hemingway soube muito conduzir lindamente a virada para a segunda parte do livro, intitulada "Cuba". Depois de cativar o leitor e fazer carinho, o autor o atinge com um soco no estômago que o deixa no chão. Ao fim do primeiro tomo eu estava complemente atordoado.


      Fica difícil falar das partes dois e três sem contar o que acontece ao final de "Bimini", mas isso estragaria a leitura de qualquer um. E para se ter uma experiência completa dessa obra você leitor precisa sentir o mesmo baque que senti, isso é essencial para entender o comportamento do protagonista nos próximos capítulos. Na segunda parte do livro Thomas Hudson vai morar em Cuba, onde tentará lidar com seus sentimentos e antigos traumas. Alguns anos se passaram desde "Bimini" e encontramos nosso protagonista um pouco mais melancólico e retraído.

      "No Mar", terceira parte e ato final da história, mais uma vez Hemingway basea-se em experiências da sua vida real para relatar a perseguição a um submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma que Ahab perseguia Moby Dick, talvez não com a mesma ira mas com a mesma sede, Thomas Hudson assume o posto de capitão e lidera sua tripulação na caça aos alemães. Thomas faz da perseguição uma fuga dos seus sentimentos. Um pouco mais velho e enganosamente mais conformado, percebemos que o protagonista ainda luta para superar os traumas vividos nos capítulos anteriores.


      "As Ilhas da Corrente" nos permite conhecer um pouco mais da personalidade de Hemingway e, mais que isso, é um ensaio do psicológico humano. O livo trata da forma como lidamos com os nossos problemas, traumas e perdas. Somos humanos e estamos expostos a decepções, tragédias e intrigas, ninguém está imunde a isso mas cada um reage de uma maneira. Muitas das vezes o modo como vivemos é um reflexo daquilo que sofremos...

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