RESENHA: O Mundo Perdido - Arthur C. Doyle

      A fixação por dinossauros, que muitas vezes atinge a gente na infância e permeia durante toda a vida adulta, muito se deve a Arthur C. Doyle. Em 1912, o escritor britânico, que na época já era muito conhecido e bem sucedido na literatura policial, mais especificamente pela criação de um dos personagens mais famosos da literatura mundial: o detetive Sherlock Holmes; apresentou aos seus leitores "O Mundo Perdido". O livro foi escrito em meio às últimas descobertas científicas da época, que eram acompanhadas do sentimentos de empolgação e otimismo (a Primeira Guerra Mundial ainda não tinha acontecido), e inspirado em explorações reais que aconteceram na Amazônia mas levantaram mais perguntas do que respostas no meio científico e biológico.

(O maior e mais completo fóssil de Tiranossauro já encontrado. Exposto do Field Museum, em Chicago)

      "O Mundo Perdido" não foi o primeiro livro a trazer seres extintos para o mundo da literatura mas provavelmente foi o mais influente. Diversas obras publicadas posteriormente beberam claramente de sua fonte. Vladimir Obruchev, Edgar Rice Burroughs, e principalmente, Ray Bradbury, foram alguns dos autores que ajudaram a popularizar o tema. Aqui no Brasil, Érico Veríssimo foi o primeiro a tratar o assunto na sua obra "Viagem à Aurora do Mundo". Além da literatura, o romance de Doyle e seus seguidores também influenciaram o mundo do cinema. Filmes como King Kong (1933) e Godzilla (1954), esse segundo já aliado ao sentimento de medo que havia sido instalado após a Segunda Guerra Mundial, também tiveram sua colaboração nesse processo de popularização dos dinossauros. Processo esse que pode ser resumido da seguinte forma: até os anos 70, os dinossauros estavam limitados ao mundo da ficção-cientifica. A partir dos anos 80, com as mais recentes descobertas científicas e o aumento das evidências de sua existência, os dinossauros transcenderam o gênero ao qual estavam limitados e ganharam o status de cultura pop, passando a figurar não só em museus, mas também em lojas de brinquedos, vestuário e outros campos. O que por sua vez inspirou Michael Crichton a escrever Jurassic Park, que nada mais é do que uma crítica ao que acontece quando o consumismo é colocado acima da ciência e do conhecimento. A adaptação cinematográfica do romance de Crichton pelas mãos de Steven Spielberg pode ser considerada o ápice do tema e suas continuações ainda bebem muito da fonte de "O Mundo Perdido" de Doyle.


      O romance parte de uma premissa bem simples e que ao primeiro olhar pode até parecer boba, mas não se deixe enganar. O jovem jornalista Edward Malone é apaixonado e rejeitado pela exigente Gladys, que almeja o modelo de um homem com espírito aventureiro e heroico para ser o marido ideal. À procura de alcançar o status exigido pela amada, Malone parte em busca de um difícil furo de reportagem: entrevistar o excêntrico professor Challenger, conhecido por agredir jornalistas fisicamente e famoso por sua afirmação absurda de que existe vida pré-histórica em algum lugar na Amazônia. Challenger afirma já ter visitado esse lugar e vislumbrado criaturas até então tidas como extintas, mas perdeu as provas que tinha no caminho de volta e se recusa a informar sua localização exata em meio a floresta. A empreitada jornalista de Malone não é muito bem sucedida mas ele consegue ao menos o convite para uma palestra científica da qual o professor Challenger irá participar. O que ele não sabia é que esse convite o acabaria o levando a uma viagem extraordinária. Ao se ver ridicularizado e desacreditado no meio científico, Challenger propõe uma expedição a floresta brasileira para comprovação de suas afirmações. Malone vê aí oportunidade de realizar um grande feito para conquistar Gladys e se junta ao grupo formado também pelo caçador e esportista John Roxton e o professor Summerlee, grande refutador das teorias de Challenger. A expedição é organizada e parte rumo ao Brasil, onde se junta a índios e mestiços para adentrar a gigantesca floresta brasileira em busca da terra pré-histórica.

(Mapa de Maple White, a terra desconhecida do romance)

      A narrativa de Arthur C. Doyle não é típica da ficção-científica clássica. Mais focada no clima de suspense e no desenrolar da ação, ela não vai trazer tantos detalhes técnicos e científicos quanto Jules Verne, por exemplo; mas não deixa de explicar o básico ao leitor. As notas de Samir Machado ajudam e atualizam muita informação, mas a editora Todavia pecou ao colocá-las todas no fim do livro e não no rodapé das páginas. O início é um pouco lento e a leitura demora para engrenar mas depois que isso acontece o livro é fácil de ser devorado. A escrita de Doyle é instigante e a ideia de estar em uma terra selvagem a ser explorada faz de cada página a revelação de um mistério. Os personagens são bem desenvolvidos e é interessante acompanhar como cada um se comporta nas situações mais adversas. A dupla Malone e Challenger faz lembrar muito Axel e Lidenbrock, de "Viagem ao Centro da Terra". Summerlee antagoniza Challenger o tempo todo e as discussões entre os dois professores proporcionam alguns momentos cômicos. John Roxton faz o perfil Indiana Jones da expedição. Quanto aos habitantes dessa terra misteriosa prefiro não dar muitos detalhes pois esse é o mistério que vai instigar sua leitura. O que posso dizer é que depois de ler esse livro você vai perceber vários elementos que serviram de influência para diversas obras idolatradas e isso não tira o brilho delas, só faz crescer a importância que "O Mundo Perdido" teve no que diz respeito a toda ficção com dinossauros.

(Cena clássica do filme Jurassic Park - 1993)

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