RESENHA: Metrópolis - Thea von Harbou

      O filme "Metrópolis" (1927) de Fritz Lang é não só um clássico do cinema como também da ficção científica e do movimento artístico e cultural que ficou conhecido como expressionismo alemão. Comercialmente falando o filme foi um verdadeiro desastre. Considerado como uma obra muito a frente de seu tempo e controversa, sua produção foi caríssima e sua bilheteria um fracasso. Mas seu valor artístico e cultural foi, e ainda, é inestimável. A obra, que é considerada o primeiro filme de ficção científica distópica da história do cinema, se tornou um dos principais pilares do gênero e influenciou diversas obras da cultura pop, entre elas: os filmes de "Star Wars", "Blade Runner", "De Volta para o Futuro" e "Batman" do Tim Burton. Os videoclipes de "Radio Ga Ga" da banda Queen e de "Express Yourself" da Madonna. E também os álbuns "The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart" da banda brasileira Sepultura, e "Meliora" da banda sueca Ghost. Apesar das inúmeras referências na cultura pop, o que pouca gente talvez saiba é que "Metrópolis" é também uma obra literária. Muito disso se deve ao fato do livro nunca ter sido publicado aqui no Brasil até o ano de 2019, quando a editora Aleph finalmente preencheu esse vazio.


      Thea von Harbou conheceu Fritz Lang em 1920, quando escreveu para ele o roteiro de "Depois da Tempestade". O primeiro grande sucesso do futuro casal foi "A Morte Cansada" (1921). Casaram-se em 1922 e deram início ao período mais prolífico de suas vidas, foram onze anos de casamento e uma parceria que resultou em diversos filmes como "Dr. Mabuse, o Jogador" (1922), "Os Nibelungos" (1924), "Metrópolis" (1927), "Os Espiões" (1928), "A Mulher na Lua" (1929), "M, o Vampiro de Dusseldorf" (1931), "O Testamento do Dr. Mabuse" (1933). Em 1932 Harbor se juntou ao partido nazista  NSDAP enquanto Lang preferiu fugir da Alemanha, recusando a proposta de Goebbels para o cargo de chefe da indústria cinematográfica alemã. A forma como o diretor organizou os figurantes em padrões geométricos durante a filmagem de "Metrópolis" havia chamado a atenção de Hitler. Harbou chegou a trabalhar em dois filmes de propaganda nazista, hoje esquecidos. Ao fim da Segunda Guerra foi desnazificada e trabalhou no processo de reconstrução da Alemanha para depois voltar ao cinema. O prolífico casamento já havia chegado ao fim em 1933.


      Originalmente concebido como roteiro, "Metrópolis" só foi romanceado por Harbou depois que as filmagens já estavam prontas. Claro que é de se imaginar que ela já estivesse vislumbrando o romance durante esse processo. Por isso, pode-se dizer que as duas obras são complementares. Ambas têm uma base em comum mas exploram diferentes elementos que resultam em experiências diferentes. O livro acabou sendo publicado antes do filme, em 1925, e é uma ficção científica muito diferente daquela que viria a se tornar mais popular nas décadas seguintes nas mãos de autores como Isaac Asimov e Philip K. Dick. Com uma narrativa mais lenta, subjetiva e uma atmosfera mais obscura e opressiva, "Metrópolis" é um livro que causa certa estranheza no começo. A protagonista da história é a própria cidade de Metrópolis e os demais personagens acabam ficando em segundo plano cercados de simbologia. A sociedade aqui é dividida em duas classes: os operários, que vivem na cidade subterrânea e trabalham exaustivamente nas máquinas para manter a cidade funcionando. E a elite dominante, que vive na superfície e cresce em meio a todos prazeres e privilégios que Metrópolis tem a oferecer. Joh Fredersen é o Senhor da Grande Metrópolis, idealizador e governante da engenhosa cidade. Seu filho, Freder, é um dos privilegiados e começa a questionar o modo como a sociedade funciona após se apaixonar por Maria, uma habitante do mundo inferior, e conhecer a situação opressora a qual os operários são submetidos. Indícios de que uma grande revolta esteja para acontecer na cidade subterrânea surgem, Joh Fredersen passa a vigiar os passos do filho e procura o inventor Rotwang para traçar um plano de sabotagem aos operários e assim impedir sua revolta.


      Como é típico das distopias,o livro é repleto de críticas sociais mas possui diversas outras camadas. Com referências a Torre de Babel e as obras dos escultores Oskar Schlemmer e Rudolf Belling, "Metrópolis" é uma obra que traz muito simbolismo, parte dele religioso. Maria, a Estrela de Davi e a Prostituta da Babilônia são alguns dos elementos recorrentes na obra. A relação homem x máquina tratada aqui, onde os operários são literalmente devorados pela grande máquina, representando a mecanização do trabalho e dos trabalhadores; a urbanização desenfreada e o crescimento da desigualdade social são temas que permanecem atuais e alguns dos motivos pelas quais a obra, tanto o filme quanto o livro, não soa datada. Além da genialidade que cada um representa como obra de arte em si, é claro.


      A leitura de "Metrópolis" não foi tão fluída pra mim quanto as obras de ficção científica das décadas seguintes, pelos motivos que já mencionei mais acima. Mas conhecer um dos pilares do gênero que é o meu favorito foi uma experiência incrível. A bela edição da editora Aleph enriqueceu ainda mais essa experiência com a tradução direta do alemão feita por Petê Rissatti, ilustrações de Mateus Acioli, posfácio do crítico austríaco Franz Rottensteiner, textos da cineasta Marina Person e do autor Anthony Burgess, além de alguns extras sobre a produção do filme. Talvez por ser escrito por uma mulher e por ela ter se filiado ao partido nazista durante um período de sua vida, o livro "Metrópolis" tenha sido alvo de preconceito e não tenha recebido tanta atenção quanto o filme. Embora eu acredite que para ter uma melhor compreensão e uma experiência completa da obra seja recomendado ler e assistir, o livro é uma grande obra de arte em si e indispensável para fãs da ficção científica e da distopia.

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