RESENHA: O Que é Fascismo? e Outros Ensaios - George Orwell

      A primeira coisa que você precisa saber sobre "O Que é Fascismo? e Outros Ensaios" é que, diferente do que o título sugere, esse não é um livro que vai te entregar uma resposta pronta e definitiva sobre o assunto. Mais interessante que isso, o que ele vai fazer é levantar questões e incentivar o leitor a buscar suas próprias respostas. O livro é composto por vinte e quatro ensaios, entre eles algumas resenhas literárias. Todo o material original foi escrito no período de 1938 a 1948, portanto, a Alemanha e Hitler, a Itália de Mussolini e a URSS de Stalin serão temas recorrentes aqui. Hoje, mais de setenta anos depois, fascismo ainda é uma palavra muito utilizada e defini-la pode não ser tão simples quanto parece. Hitler e Mussolini eram fascistas, mas seus sistemas de governo tinham diferenças entre si. O passar dos anos não trouxe muita luz sobre a questão e o termo acabou envelhecendo mal. Fascismo foi praticamente degradado a um palavrão, que durante a história já foi dirigido a: conservadores, socialistas, comunistas, trostskistas, nacionalistas e católicos. Definir o fascismo não é o que Orwell faz aqui, o que livro entrega é um material político e histórico a partir do qual somos convidados a reflexão e podemos usar como base para estudo e assim tirar as próprias conclusões.

      "Desde cerca de 1930 o mundo não deu motivo a nenhum tipo de otimismo. Não se tem nada à vista a não ser uma profusão de mentiras, ódio, crueldade e ignorância, além de nossas agruras atuais avultam outras ainda maiores que só agora estão entrando na consciência europeia. É bem possível que os principais problemas do homem nunca sejam resolvidos. Mas isso também é impensável! Quem ousaria olhar o mundo de hoje e dizer a si mesmo: será sempre assim: mesmo em um milhão de anos não poderá ser visivelmente melhor? E desse modo chega-se à crença quase mística de que por enquanto não há remédio, toda ação política será inútil, mas em algum lugar no espaço e no tempo a vida humana deixará de ser essa miserável coisa bestial que é agora."


      Entre os diversos ensaios que o livro traz, as resenhas literárias merecem um destaque especial. A começar por "A Guerra Civil na Espanha" de Frank Jellinek, onde Orwell aponta como a distorção de fatos históricos pode ser colocada em prática na literatura com o objetivo de defender um ponto de vista político, no caso comunista. Uma das resenhas de mais interessantes é a de "Mein Kampf" de Adolf Hitler, aqui o autor destaca alguns traços da psicologia do líder nazista e a forma como ele transformou o nacionalismo em uma ferramenta para a construção de seu império. Orwell faz uma forte crítica a "Union Now" de Clarence Streit. Nessa obra, em que o jornalista americano propõe a união das quinze maiores democracias do mundo como uma forma de combater o nazismo, Orwell aponta uma série de problemas, como por exemplo: a expansão do trabalho escravo e a exploração desenfreada dos negros da África e da Índia para sustentar os países que formariam esse bloco. De acordo com Orwell, isso seria combater o mal com um mal maior ainda, logo não seria a solução. Sobre "O Julgamento de Mussolini" de Cassius, Orwell faz uma análise sobre qual seria a melhor de julgar um ditador sem transforma-lo em um mártir para o seu povo. Aqui também ele apresenta um profético vislumbre do que viria a ser o fim de Hitler. Na resenha de "Nós" de Zamyatin, podemos perceber a admiração de Orwell pela distopia que mais tarde seria uma de suas principais inspirações para escrever o romance 1984. Alguns ensaios não são exatamente resenhas mas em diversos momentos Orwell faz o uso de obras literárias como material de apoio, é o caso de "Tacão de Ferro" de Jack London, "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, "The Sleeper Wakes"de H. G. Wells, "O Segredo da Liga" de Ernest Bramah, obras do poeta W. B. Yeats, Ezra Pound, Charles Dickens, James Joyce, Liev Tolstói. Joseph Conrad, Arthur Koestler, E. W. Hornung, James Hedley Chase e Oscar Wilde. Inclusive, Orwell faz uma observação de como tempos difíceis e politicamente conturbados acabam gerando grandes autores. Orwell também escreve sobre "O Grande Ditador" de Charles Chaplin. O filme, lançado em 1940, é uma sátira do período em que foi produzido: em meio a ascensão da Alemanha Nazista e o início da Segunda Guerra Mundial (aliás, eu já resenhei esse filme por aqui).

      "O homem comum é mais sábio que os intelectuais, assim como os animais são mais sábios que os homens. Todo intelectual é capaz de lhe fazer uma esplêndida defesa do esmagamento dos sindicatos alemães e da tortura dos judeus. Mas o homem comum, desprovido de qualquer intelecto, que tem apenas instinto e tradição, sabe que isso não está certo"


      O que eu aprendi com Orwell nessa leitura é que talvez o fascismo simplesmente não possa ser definido, pois o tempo todo surgem novas formas de fascismo e nós devemos manter os olhos bem abertos quanto a isso. Por isso a resposta para a pergunta "o que é fascismo?" não é tão importante quanto a pergunta em si. É algo sobre o qual devemos sempre nos questionar e refletir...

      "E como podemos ter uma postura firme contra Hitler se ao mesmo tempo estamos nos enfraquecendo em nossa casa? Em outras palavras, como podemos combater o fascismo se fortalecemos uma injustiça muito mais ampla?"

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