RESENHA: À Espera de um Milagre - Stephen King

      Tudo começou quando Ralph Vicinanza, agente literário de Stephen King, entrou em contato com o autor para propor uma ideia nada convencional para a publicação de sua próxima obra: publicar um livro em formato seriado da mesma forma que Charles Dickens fazia no século XIX, quando entre uma publicação e outra, a reação do público e o número de vendas influenciavam os desdobramentos da história. A proposta veio bem a calhar. Fazia tempo, King tinha uma ideia para uma história que se passava na prisão mas não estava conseguindo dar sequência nela. Junta-se as duas coisas e temos "O Corredor da Morte", nome pelo qual a obra foi publicada na época, dividida em seis volumes. Posteriormente todos os volumes foram compilados em um único livro que recebeu o título de "À Espera de um Milagre".


      O livro é narrado em formato de memórias. Paul Edgecombe foi supervisor do corredor da morte na penitenciária estadual de Cold Mountain e enquanto passa seus últimos dias em uma casa de repouso ele decide escrever suas memórias sobre algo que aconteceu no ano de 1932, época da Grande Depressão. Naquele ano, em um dia de calor, os pais das gêmeas Detterick deixaram as filhas dormirem na varanda de sua casa na fazenda. Ao amanhecer as gêmeas haviam desaparecido. A tela que protegia a varanda foi rompida, o cão da família teve o pescoço quebrado e um rastro de sangue foi deixado em toda a varanda seguindo em direção a mata. O pai das meninas e seu filho mais velho pegaram suas armas e seguiram a trilha de sangue. No caminho eles encontraram as roupas das meninas e se juntaram a um grupo de caça organizado pelo xerife da cidade. Juntos, às margens de um rio, eles encontraram as gêmeas mortas nos braços de um negro de mais de dois metros de altura. Tudo que o gigante fazia era chorar. E quando foi cercado pelo grupo, tudo que ele conseguiu dizer foi: "Não pude evitar. Tentei retirar, mas já era tarde demais". E assim John Coffey foi para o corredor da morte.


      Trabalhando no corredor da morte, o chefe Edgecombe e sua trupe estavam acostumados a lidar com o pior da raça humana e já tinham visto as suas cotas de monstruosidades. Ah, mas eles não estavam preparados para John Coffey. O gigante condenado por matar e estuprar as gêmeas Detterick, mas que tinha medo do escuro. Que não sabia soletrar o próprio nome e nem amarrar os sapatos. O gigante com olhar tão inocente quanto o de uma criança, mas que parecia carregar o peso do mundo em suas costas e não parava de verter lágrimas.

"Chefe, estou muito cansado da dor que escuto e que sinto. Estou cansado de andar vagando, sozinho como um pardal na chuva. Sem nunca ter nenhum companheiro pra ir junto comigo nem pra dizer de onde nós estamos vindo nem pra onde vai nem por quê. Estou cansado das pessoas serem más umas com as outras. Sinto como se tivesse cacos de vidro dentro da cabeça. Estou cansado de todas as vezes que tentei ajudar e não pude. Estou cansado de ficar no escuro. Mais que tudo é a dor. Tem demais. Se eu pudesse acabar com ela, acabava. Mas não posso" - John Coffey

Enquanto tenta decifrar o enigma que é John Coffey, Edgecombe também terá que lidar com outros frequentadores do corredor da morte. Eduard Delacroix é um deles. Estuprador e assassino, que tentou incendiar o corpo de sua vítima para apagar vestígios de seu crime e acabou incendiando um prédio inteiro, causando a morte de outras pessoas. William Wharton é um degenerado da pior espécie. Possui uma lista extensa dos piores crimes cometidos e está disposto a causar o maior número de problemas possível aos guardas do corredor. Como se não fosse o suficiente, Edgecombe ainda terá que lidar com Percy Wetmore. Assim como William, Percy está determinado a criar problemas. A diferença é que ele está do lado de fora das grades, pois é um dos guardas da prisão. E por último mas não menos importante temos o Sr. Guizos, o simpático rato que frequenta os buracos do corredor da morte.


      "À Espera de um Milagre" não é uma simples história de prisão. É uma história de drama, racismo e preconceito. O pior e melhor da humanidade são elementos muito presentes no corredor da morte de Cold Mountain. É possível ainda haver bondade no coração de uma pessoa que cometeu um crime horrendo? Todos os criminosos devem ser automaticamente colocados na categoria de monstros após receberem sua condenação? Existem pessoas más por natureza e nem todas elas são necessariamente criminosas. Percy era melhor ou pior que Delacroix? Delacroix cometeu um crime horrível e no corredor da morte construiu uma forte amizade com o Sr. Guizos. Juntos, os dois me emocionaram. É como se Delacroix tivesse sido possuído por algo, cometido o crime, depois a coisa saiu dele e o deixou ali para morrer eletrocutado. Percy é mau por natureza, mau e corrupto no dia a dia. Assim como Wharton era perverso. Quantos Percys existem na vida real? Essas são algumas das questões e reflexões que o livro deixa na nossa cabeça. E o que dizer de John Coffey? O gigante negro, vítima de racismo, que ensinou e emocionou o leitor e os guardas do corredor. "À Espera de um Milagre" é um livro duro, que nos mostra as piores facetas da humanidade mas que também nos inspira a sermos melhores. Que aprendamos com a lição de John Coffey e sejamos pessoas melhores, pois de Percys e Whartons o mundo já está cheio.

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