RESENHA: Conan: O Bárbaro, Vol. 3 - Robert E. Howard

      Conan é figurinha carimbada na cultura pop, mas poucos conhecem as histórias originais que estão por trás dos filmes, quadrinhos e games inspirados no personagem. Muito disso se deve ao fato dessa, que é a obra máxima de Howard, nunca ter sido publicada na íntegra no Brasil até então. Em 2017, a editora Pipoca & Nanquim deu início ao ambicioso projeto de traduzir e publicar esse material e nos presenteou com o primeiro volume de "Conan, o Bárbaro". Em 2019, a editora publicou esse que é o terceiro e derradeiro volume, completando a saga, e hoje podemos dizer que finalmente temos toda a obra de Conan publicada por aqui. São três volumes que juntos somam mais de 1.100 páginas e em edições primorosas que só quem conhece a editora sabe: capa dura com ilustrações de Frank Frazetta, sobrecapa de acetato, fitilho, marca páginas em formato de espada, material extra e diversas ilustrações.


     Sabe aquela imagem de "máquina de matar" que as adaptações ajudaram a criar em torno do Conan? Esqueça-a. Apesar de conter certa violência, a escrita de Howard transcende a literatura fantástica incorporando diversos outros elementos, como por exemplo o horror. Assim como Lovecraft, Howard possuía uma escrita tão peculiar que cunhou o próprio subgênero que ficou conhecido como Espada & Feitiçaria: uma mistura de aventura, fantasia e mistério com teor sobrenatural. Junta-se isso a maestria que Howard tinha para criar cenários épicos e descrever cenas de batalhas sangrentas, e o resultado você confere abaixo onde trago comentários sobre cada conto lido presente nesse volume.


Uma Bruxa Nascerá

      Tudo começa quando Taramis, rainha de Khauran, recebe no meio da noite a visita de sua irmã supostamente morta muito tempo atrás. Salomé nasceu com a marca da bruxa, uma maldição que a família real carrega em sua linhagem: a cada século, uma descendente nasce amaldiçoada com o destino inevitável de se tornar uma bruxa. Ainda bebê, Salomé foi levada ao deserto e abandonada na areia escaldante para morrer. O que a família não imaginava é que a bebê seria resgatada por uma caravana que estava de passagem pelo local. Os anos se passaram e agora Salomé, que se tornou uma bruxa poderosa e cheia de ódio, retorna para tomar o lugar da irmã. Para isso ela conta com a ajuda de Constantius e seu exército shemita. Juntos eles elaboram um plano e tomam a cidade de Khauran, com Salomé assumindo o posto de Taramis sem que o povo saiba, afinal ela usa a semelhança com a irmã para enganá-los. Assim, muitos acham que a rainha simplesmente enlouqueceu e não fazem ideia de que a verdadeira Taramis esteja trancafiada em um calabouço. A cidade de Khauran cai em desgraça, Salomé e sua corte vivem em devassidão, Constantius e seu exército subjugam o povo, um templo pagão habitado por um terrível demônio é construído, a guarda da cidade é extinta e seu capitão, Conan, é crucificado e deixado aos corvos. O cimério acaba sendo encontrado por um grupo de salteadores que habita o deserto e traça uma espécie de acordo com eles. Ali ele enxerga a oportunidade de montar uma estratégia para resgatar Khauran. "Uma Bruxa Nascerá" é uma história repleta de aventura, espada, sangue e magia. Já estava com saudades das aventuras de Conan e da narrativa do Robert Howard. Um prato cheio para quem gosta do gênero espada e feitiçaria.


Os Servos de Bit-Yakin

      Nesse conto vamos acompanhar a busca de Conan pelos Dentes de Gwahlur, lendário tesouro da cidade perdida de Alkmeenon. Como desculpa para adentrar o país onde está localizada essa cidade, o cimério oferece seus serviços para treinar o exército do reino de Keshan. O que ele não esperava era que Thutmekri e seu parceiro Zargheba, ladrões da pior espécie, também ofereceriam seus serviços ao reino de Keshan com as mesmas intenções. Diante desse impasse, os sacerdotes de Keshan chegam a conclusão de que somente o oráculo de Alkmeenon é capaz de decidir quem treinará o exército de seu país. Em uma caravana eles partem para a cidade perdida de Alkmeenon, ruínas de um antigo palácio em meio a uma densa floresta rodeada por gigantescas montanhas. Conan e a dupla rival de ladrões não se dão ao luxo de ficarem apenas aguardando o retorno dos sacerdotes e partem também para a cidade perdida em busca do tesouro. Mas nem Conan, nem Thutmekri, nem Zargheba e nem mesmo os sacerdotes fazem ideia das forças que habitam o local há muito tempo esquecido. "Os Servos de Bit-Yakin" é uma história mais calcada no mistério do que na ação. Lutas e traições, que são elementos essenciais no contos de Conan, também estão presentes aqui mas a atmosfera sobrenatural rouba a cena.


Além do Rio Negro

      Nesse conto Conan é um mercenário a serviço de Velitrium que trabalha para defender a região de Conajahara. O forte Tuscelan, localizado nessa região, marca a última fronteira entre a civilização e a floresta selvagem. E é também palco de inúmeras batalhas com os pictos, o povo selvagem que habita aquelas matas. A ameaça dos pictos é constante mas cresce ainda mais quando surgem rumores de que o perverso mago picto Zogar Sag estaria planejando um ataque a Tuscelan. Isso é mais que suficiente para despertar o medo e o horror nos bravos defensores do forte. Uma expedição é organizada com o objetivo de localizar o mago em meio a selva e matá-lo em seu covil antes que ele possa reunir selvagens e organizar um ataque massivo contra o forte. Embarcamos então, com Conan e seu companheiro Balthus, em uma aventura repleta de sangue e feitiçaria. Conforme a dupla adentra a sombria floresta, horrores muito piores que os pictos vão se revelando e a história aos poucos vai se tornando mais macabra. Um conto que dosa muito bem o elemento fantástico com o lado mais aventureiro da literatura.


As Negras Noites de Zamboula

      Em meio as areias do deserto de Kharamun está situada a cidade de Zamboula. Por ela muitos viajantes do deserto passam e ás vezes se faz necessário pernoitar por ali. A Taverna de Aram Baksh costuma atrair esses forasteiros devido ao baixo preço que cobra pela estadia, mas o que os desafortunados hóspedes não sabem é que podem pagar um preço muito mais caro do que imaginam. Já é de conhecimento do povo da cidade que estrangeiros que passam a noite ali costumam nunca mais ser vistos. Há rumores de que um demônio habita a taverna. Uma cova rasa repleta de ossos humanos em meio ao deserto e tambores que são ouvidos durante a noite ajudam a alimentar esses rumores. Apesar de todos os avisos, Conan chega a cidade e decide se hospedar na maldita taverna. Logo ele se vê envolvido em uma perigosa rede que envolve uma tribo canibal, um templo pagão e um sacerdote perverso. A premissa é boa mas acho que o resultado poderia ter sido muito melhor se a ideia da tribo canibal fosse melhor explorada. Como é comum nas histórias do Conan, Howard encaixou aqui o elemento da donzela em perigo, mas a meu ver, nesse caso específico, não ficou legal. Girando em duas tramas paralelas, o conto acabou perdendo um pouco em emoção. Enquanto Conan e Zabibi corriam pelas ruas de Zamboula eu ficava me perguntando o que estava acontecendo no deserto.


A Hora do Dragão

      Um épico! Uma odisseia! "A Hora do Dragão" é uma das obras máximas de Robert E. Howard. Publicado originalmente em cinco partes na revista Weird Tales, entre os anos de 1935 e 1936, o conto é praticamente um livro por si só com suas 200 páginas. O que temos aqui é uma mistura de Game of Thrones, com reis de diferentes casas disputando o poder e conspirando; Lovecraft, com muitos elementos de magia negra, necromancia, deuses pagãos e criaturas nefastas; e Bernard Corwell, com cenas de batalhas muito bem orquestradas e detalhadas. A trama, que é bem extensa, gira em torno do terrível necromante Xaltotun, morto há 3.000 anos e trazido de volta à vida através um de ritual de magia negra que envolve um artefato mágico conhecido como o Coração de Ahriman. O ritual é executado por um grupo de reis que planejam usar a magia ancestral do necromante para subjugar outros reinos e formar um império. O reino da Aquilônia é um de seus principais alvos e seu rei é ninguém menos que Conan. Sem declarar guerra oficialmente, o necromante usa de artimanhas como a peste negra para tomar o reino da Nemédia e em seguida jogá-lo contra a Aquilônia. Na batalha entre os dois reinos, Conan é alvo de feitiçaria. Dado como morto, o rei perde o seu reino, é capturado por Xaltotun e feito prisioneiro nos calabouços de um castelo sombrio. A partir desse ponto vamos acompanhar a verdadeira epopeia que Conan empreende em busca da recuperação de seu trono e do sangue daqueles que conspiraram para destroná-lo. Para alcançar seu objetivo, o herói terá que percorrer os mais diversos cenários e enfrentar criaturas horrendas como canibais, mortos-vivos e sacerdotes de um culto pagão.
      Quem já conhece as histórias do guerreiro cimério vai perceber que Howard revisita nesse conto todas as facetas do herói. Além de Conan, o rei, temos aqui também o ladrão, o mercenário e o pirata. O próprio personagem expressa o sentimento de nostalgia ao se deparar algo que remete ao seu passado. "A Hora do Dragão" é uma verdadeira ode ao gênero da espada e feitiçaria e uma compilação do que Howard escreveu de melhor sobre Conan.


Pregos Vermelhos

      Pregos Vermelhos foi a última história de Conan escrita por Howard e publicada postumamente, em três partes, nos meses que seguiram à morte do escritor. Nesse conto vamos acompanhar as aventuras de Conan ao lado de sua parceira Valéria, da Irmandade Vermelha. Desertora da caravana de Zarallo, Valéria empreende fuga para um país desconhecido e se vê perdida em uma densa floresta. Conan vem em seu auxílio, mas os problemas da dupla estão longe de acabar. Enquanto se embrenham pela mata em busca de um senso de direção, os dois são surpreendidos e atacados por um gigantesco dragão, que devora seus cavalos. Sem montaria e sem condições de enfrentar a fera em um combate direto, tudo o que resta a dupla é escalar e se refugiar em uma grande pedra em meio a floresta, permanecendo fora do alcance das garras do dragão e torcendo para que ele se canse e deixe-os. Não é o que acontece. A fera se acomoda pacientemente no pé do penhasco, montando guarda e deixando nossos heróis ilhados em plena floresta. Do cume da pedra, tudo o que a vista alcança, além do verde, é a silhueta de uma cidade sombria e distante. Estaria ali a salvação de Conan e Valéria? Ou sua perdição? Clãs inimigos, bruxaria, a Caveira Flamejante e o Rastejador os aguardam. Logo a dupla percebe que trocar as garras do dragão pela cidade pode não ter sido uma boa ideia.
      Um bom conto com batalhas sangrentas, criaturas místicas e magia negra. Mas que acabou sendo um pouco ofuscado pelo épico que foi o conto anterior. "Pregos Vermelhos" encerra o volume três de Conan, sendo seguido apenas dos extras: um mini conto chamado "O Vale das Mulheres Perdidas", um compilado de prefácios e um posfácio escrito pelo tradutor Alexandre Callari.

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