RESENHA: Enclausurado - Ian McEwan

"Então aqui estou, de cabeça pra baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda. (...) Agora, em posição invertida, sem um centímetro de espaço pra mim, joelhos apertados contra a barriga, meus pensamentos e minha cabeça estão de todo ocupados. Não tenho escolha, meu ouvido está  pressionado dia e noite contra as paredes onde o sangue circula. Escuto, tomo notas mentais, estou inquieto. Ouço conversas na cama sobre intenções letais e me sinto aterrorizado com o que me aguarda, pela encrenca em que posso me meter."

      E assim se apresenta o narrador dessa história, um bebê ainda dentro da barriga da mãe. Privado de fazer contato visual com o mundo do exterior, mas não auditivo, o bebê começa a formar sua concepção de mundo baseando-se em fragmentos de conversas próximas que consegue captar e nos programas de rádio, podcasts e audiolivros que a mãe escuta. É dessa forma que ele descobre que seus pais, Trudy e John, estão se separando. E mais que isso, que sua mãe e o amante planejam matar seu pai. O amante de Trudy não é ninguém menos que Claude, irmão de John e, portanto, tio da criança. Sim, estamos diante de uma trama shakespeariana.



"A gloriosa sociedade à qual em breve me reunirei, a nobre congregação de seres humanos, seus costumes, deuses e anjos, suas ideias ardentes e brilhante fermentação intelectual, já não me excitam. Há um peso sobre o dossel que envolve meu pequeno corpo. O que existe de mim mal basta para formar um animalzinho, muito menos para configurar um homem. No meu estado de espírito, me inclino pela esterilidade do natimorto, depois as cinzas."

      Enquanto um thriller se desenrola do lado de fora, dentro do útero vamos acompanhar as reflexões, os devaneios e as aflições desse narrador bebê. Suas preocupações, que antes eram a guerra, a fome, a injustiça e a pobreza no mundo, coisas que a mãe ouvia nos noticiários, agora são com coisas bem mais pessoais. O bebê passa a desenvolver um grande ódio pelo tio Claude, que além de tramar contra seu pai, o próprio irmão, ainda coloca o narrador em uma situação desesperadora toda vez que faz sexo com Trudy. A mãe também não está isenta de sua raiva, amor e ódio estão sempre em conflito nessa relação entre mãe e filho. Mesmo grávida, Trudy manda tanta bebida pra dentro que o bebê aprende a diferenciar os vários tipos de vinhos e começa a desenvolver o seu próprio gosto. Enquanto direciona a sua raiva para o tio, para a mãe ou até mesmo para o pai, em uma roleta russa de ódio, o bebê também não poupa a si mesmo. O medo de perder o pai, medo da mãe ser presa pelo assassinato e ele nascer numa cadeia, medo da rejeição e do abandono, tudo isso começa a afetá-lo e pensamentos depressivos, de suicídio, de culpa e de vingança surgem em sua mente até então inocente.


"Não vejo nenhuma opção, nenhuma escapatória plausível para a possibilidade de ser feliz. Queria não nascer nunca."


      "Enclausurado" foi minha primeira experiência com o renomado escritor britânico contemporâneo Ian McEwan. Sei que essa está longe de ser considerada uma de suas obras máximas, mas posso dizer que foi uma boa porta de entrada. A escrita do autor, repleta de críticas atuais e de humor ácido, me cativou bastante. Gostei da experiência, do elemento do narrador ainda não nascido e das várias facetas que o livro tem. "Enclausurado" pode ser lido como um thriller, um drama, um exercício psicológico ou filosófico, não importa, independente da forma que for encarado ele agrada. Agora que li o meu primeiro McEwan estou ansioso para mergulhar em outras de suas obras, sinto que pode estar surgindo um novo autor favorito pra mim.

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