RESENHA: Libertação Animal - Peter Singer

      Publicado pela primeira vez em 1975, "Libertação Animal" se tornou um dos principais pilares do movimento pelos direitos dos animais. O livro é um verdadeiro dossiê contra o especismo e uma peça fundamental na luta contra a exploração e o sofrimento aos quais submetemos os animais. Desde sua primeira publicação a obra vem conscientizando inúmeras pessoas, propondo debates e promovendo importantes mudanças de hábitos em seus leitores. Essa edição, de 2009, abre com um prefácio que apresenta um resumo dos avanços conquistados em prol dos animais até então, mas deixa claro que ainda temos muito a evoluir. O livro é dividido em seis partes, abaixo trago um breve resumo e minhas impressões sobre cada uma delas.

      1. TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS

      O que você entende por direitos dos animais? Quando se fala nesse termo muita gente não entende realmente o que ele quer dizer. Entendemos, e somos incentivados a pensar assim, que somente seres humanos podem exercer direitos. Dessa forma, quando ouvimos falar em direitos dos animais pela primeira vez, cometemos um grave equívoco ao tentar encaixar outras espécies dentro de leis e direitos humanos. Isso faz com que o termo se torne alvo fácil de ataques e piadas, e não seja levado a sério. Devemos tratar os animais como iguais, porém isso não deve ser levado ao pé la letra. O princípio básico de igualdade não requer tratamento idêntico, mas igual consideração. Logo, diferentes espécies exigem diferentes direitos. E a igualdade é mais moral do que prática. Ou seja, quando falamos em direitos dos animais não quer dizer que um porco deva ter o direito de voto, obviamente, mas, assim como crianças têm direitos específicos para sua proteção, outras espécies devem ter leis e direitos específicos para si. Esse é o princípio fundamental para entendermos a causa pela qual esse livro luta. Entendido isso e levando em conta que a questão aqui não é se os animais pensam ou falam, mas se têm a capacidade de sofrer, vamos ver nos próximos capítulos o porquê desses direitos serem necessários.


      2. INSTRUMENTOS DE PESQUISA

      Nesse capítulo somos apresentados a experimentação animal, algo que sabemos acontecer mas que na maioria das vezes preferimos fingir não saber ou pelo menos não pensar muito. E a coisa vai muito além dos produtos de higiene e maquiagem... Começamos com experimentos realizados pelas Forças Armadas dos EUA, nos quais macacos são amarrados a plataformas de equilíbrio e expostos a radiação simulando um piloto da força aérea em uma situação de guerra, enquanto vomitam e sofrem de violentos ataques. E os beagles que têm as cordas vocais operadas para não latir e são jogados em câmaras para testes com gás. Esses são apenas alguns exemplos dos testes realizados em animais descritos nesse capítulo, saindo do campo militar temos ainda os experimentos usados no campo da psicologia, da medicina e da produção dos mais variados produtos.

      Mas o mais bizarro foi saber da existência de toda uma indústria que fornece cobaias, ferramentas e drogas para esse tipo de experimentação. Laboratórios possuem até catálogos onde você pode escolher se quer coelhinhos vivos ou mortos, pelados, castrados, com alguma modificação genética, etc... E os equipamentos vendidos vão desde ferramentes de estupro até decapitadores Também é assustador saber que a grande maioria dos testes em animais se mostram ineficazes depois de anos de sofrimento com experimentações. E isso levanta outra questão, um paradoxo na verdade: se os animais são tão diferentes dos humanos, então os testes realizados neles não têm grande ou quase nenhum benefício para nós. Por outro lado, se os animais são tão parecidos conosco e capazes de sentir dor, não é errado impor sofrimento a eles? Isso sem contar as vezes em que os testes podem nos levar a perigosos equívocos, expondo humanos ao perigo e ocultando coisas valiosas (por exemplo: a insulina, a morfina e a penicilina foram descobertas sem esse tipo de experimentação). Outro ponto a ser debatido é que o teste em animais muitas vezes é feito buscando a solução de um problema que poderia ser resolvido de outra forma. Por exemplo: o câncer de pulmão gera até hoje uma série de testes ineficazes nos quais animais inalam fumaça de tabaco, sendo que o pouco avanço feito nessa área se deve a conscientização pela combate ao tabagismo e não ao tratamento. Se enfatizássemos a saúde, não precisaríamos buscar a cura matando milhares de animais.

      O problema é que os animais são tratados como matéria-prima para testagem e os resultados, ao contrário do que pensamos, em sua maioria são duvidosos. Logo, o sofrimento imposto é muito maior do que os benefícios alcançados. A indústria da experimentação é forte e os programas de proteção animal contra esses tipos de testes, em sua maioria, são puramente burocráticos e ineficientes. Após forte pressão, empresas de cosméticos foram algumas das primeiras a abolir a experimentação em animais e buscar outras alternativas para testar seus produtos, e adivinhe só? Como resultado os testes se tornaram mais eficientes e mais baratos, e de quebra a empresa conquistou uma melhor relação pública. Isso mostra que o poder está nas mãos do público, ao boicotar uma empresa que faz testes em animais ela rapidamente encontra outra alternativa para permanecer no mercado. Além do boicote, outras formas de combater a experimentação em animais são: promovendo pequenas reformas (uma vez que esperar uma mudança radical pode ser otimista demais), tornar conhecido do grande público o que acontece nos laboratórios, estudantes devem se recusar a realizar testes que consideram antiéticos, e o mais importante, politizar a questão para fazer frente a todas as instituições envolvidas nessa cadeia de exploração.


      3. VISITA A UM CRIADOR INDUSTRIAL

      O setor de produção de alimentos configura a maior exploração de animais do planeta. Disfarces linguísticos são usados para evitar qualquer associação: boi é filé/picanha, porco é lombo/pernil, e até a fazenda não é mais o que era antes, nada parecido com aquele desenho que vemos nas caixas de leite, por exemplo. A agropecuária virou agronegócio e pequenos produtores sucumbiram as grandes empresas. Fazenda é só mais um disfarce linguístico para fábrica de animais, e essas fábricas têm como principal objetivo alcançar a mais alta produção com o menor custo possível.

      Nesse capítulo, vamos conhecer primeiramente os horrores que habitam os criadouros de aves, onde os animais podem ser submetidos a confinamento, crescimento acelerado, debicagem, estresse, canibalismo, sufocamento, proliferação de doenças e maus tratos. Para as grandes empresas, criar animais de forma saudável custa mais caro. Manter os animais em condições precárias eleva seus lucros, mesmo abatendo as baixas causadas pela superpopulação e os diversos problemas que ela pode causar. Nos criadouros de porcos a situação não é muito diferente, os animais têm a cauda amputada, podem contrair a chamada síndrome do stress suíno, sofrem privação materna, reprodução intensiva e são impedidos de exercer seus instintos básicos. A produção de vitela configura o método de criação mais cruel entre todos os animais, a ideia se resume em produzir um bezerro com anemia, com o menor custo e o maior peso possível. Lembrando que o fato de deixar o animal anêmico é apenas uma questão de estética para que a carne permaneça branca e seja vendida como carne nobre no mercado, gerando um maior lucro ao produtor. A produção de vitela é um subproduto do mercado laticínio, no qual as vacas engravidam intensamente e recebem altas doses de hormônios para manter a alta produção de leite. Quando nasce um filhote, se for fêmea: será criada para se tornar uma vaca leiteira; se for macho: é vendido para a produção de carne de vitela. Chegamos, por fim, ao processo de produção de carne bovina, a maior indústria da produção de animais. Além da privação dos instintos básicos, os bovinos também sofrem com a castração, amputação de chifres, marcação a ferro quente e diversos outros problemas. Os matadouros concorrem para matar mais animais por hora, com isso os processos de transporte e abate são feitos nas piores condições possíveis, gerando maior sofrimento ao animal.

      Os defensores dessa indústria alegam que animais criados em fazendas industriais não sofrem pois nunca conheceram a vida fora do cativeiro. Esse argumento não é válido, pois os animais demonstram claramente a necessidade de exercer seus instintos básicos que são intrínsecos as suas espécies. As aves precisam tomar o seu banho de areia e fazer ninhos, os porcos precisam chafurdar na lama, os bovinos precisam ruminar, e todos eles precisam se relacionar socialmente e exercer seu instinto de maternidade. Privar os animais disso é cruel, ainda mais quando dispomos de outras fontes de alimentação.


      4. TORNANDO-SE VEGETARIANO

      Tornar-se vegetariano é um ato não só de empatia, mas também social, é ir contra o sistema. Lutar contra a gigantesca indústria da carne é uma tarefa difícil, principalmente do ponto de vista político, e a melhor estratégia para combatê-lo, mais uma vez, é através do boicote. Ao compreender como a indústria da carne funciona, rapidamente chegamos a conclusão que enquanto uma parte da população mundial passa fome, a outra se alimenta mal. Gasta-se mais recursos para produzir animais do que seria necessário para acabar com a fome no mundo. Por exemplo: um hectare de terra onde é cultivado um vegetal comestível fornece mais energia por metro quadrado do que um criadouro, é mais fácil de cuidar, mais fácil de distribuir, exige menos recursos e ainda preserva a natureza. Caso esse hectare se transforme num criadouro, seria necessário outro hectare para plantar o alimento que seria dado ao animal, do qual ele aproveitaria somente em torno de 5% da energia fornecida pelo alimento. Não precisa ser nenhum gênio para chegar a conclusão de que, no fim, a carne é somente um produto superfaturado que contribui para que não haja alimentos para todos. Isso para falar somente dos animais terrestres. O consumo de peixes e crustáceos, apesar desses animais não serem exatamente "produzidos", também gera diversos problemas, principalmente ambientais.

      Tornar-se vegetariano exige uma nova relação e conexão com a natureza. Mas como disse acima, a coisa vai muito além da empatia com os animais e se estende para a empatia também com os outros humanos, uma vez que a carne consumida poderia sustentar muito mais pessoas se substituída por um alimento vegetal. Além disso, comida vinda da terra é mais saudável. E o mito do que certas proteínas só podem ser encontradas na carne caiu faz tempo.


      5. O DOMÍNIO DO HOMEM

     Aqui vamos conhecer as raízes do especismo e como ele sempre esteve presente na história e na religião. Para isso o autor vai nos levar até o período pré-cristão, quando acreditava-se que o homem foi feito a imagem de Deus e os animais estavam aqui para nos servir. No período cristão vamos dar uma rápida passada pelo Império Romano, quando foi propagada a ideia da alma humana eterna e nossa espécia passou a ser vista como sagrada. Depois passamos pelo Iluminismo e seguimos até os dias atuais, vamos acompanhar a aproximação dos homens e dos animais vislumbrada por Darwin e o surgimento das primeiras leis de proteção aos animais. Os princípios religiosos e morais estão tão enraizados na nossa cultura e sociedade que, ainda hoje, o pretexto divino e da superioridade como espécie é usado, apesar de todas as refutações científicas, para justificar a exploração dos animais. Por isso, romper essa linha de exploração não é tão fácil quanto parece. Mas, conforme vimos nos capítulos anteriores, não é impossível.


      6. O ESPECISMO HOJE

      O capítulo final apresenta um breve resumo do que foi tratado até aqui e nos atualiza da situação com relação aos direitos dos animais. O especismo é passado de geração em geração durante séculos e cultivado em nós desde criança. Se olharmos para trás na história, vamos ver que fizemos alguns avanços mas o caminho a percorrer ainda é longo. Os debates têm acontecido e isso já é algum sinal de avanço, pelo menos a ignorância, aos poucos, vem sendo combatida. Os animais já deram inúmeras demonstrações de que podem ser mais civilizados que os seres humanos, esses que sua vez matam, torturam e destroem sem motivo algum. Não precisamos sacrificar nada que nos seja essencial para adotar um estilo de vida que não prejudique os animais. Livrar os animais de todo e qualquer tipo de exploração é um processo lento e árduo, e que deve ser alcançado progressivamente, tendo como ponto de partida a mudança de hábitos individual.


      A leitura de "Libertação Animal" moveu algumas engrenagens aqui dentro. Se eu me tornei vegetariano? Ainda não. Como o próprio autor diz ao contar como foi a sua experiência, essa não é uma mudança tão fácil para uma pessoa acostumada a comer carne. Mas confesso que troquei a carne por outras alternativas em alguns momentos da leitura e agora me pego pensando constantemente nesse assunto. Se o livro irá desencadear alguma mudança profunda em mim, ainda é cedo pra falar. Mas acredito que uma semente foi plantada.

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