RESENHA: Cosmos - Carl Sagan

       Em 1976, os veículos de solo das sondas espaciais Viking finalmente aterrissaram em Marte. Era a primeira vez na história da humanidade que o homem "tocava", ainda que remotamente, a superfície de outro planeta. Em sua equipe, o Programa Viking contava com o cientista, físico, astrônomo e astrofísico (entre outras ocupações) Carl Sagan. Enquanto o meio científico borbulhava de possibilidades diante das novidades que chegavam do planeta vermelho, a imprensa mundial pouco, ou nada, compartilhava dessa empolgação. Sagan acreditava que o interesse científico, ou pelo menos a sua curiosidade, era intrínseco ao ser humano, uma vez que estamos conectados a todo o cosmo, e só precisava ser corretamente estimulado. A forma como a ciência chegava ao público não era adequada. Além disso, a tecnologia que podia nos levar a exploração do espaço era a mesma com a qual podíamos nos autodestruir (e ainda podemos) em uma guerra nuclear. A ignorância era uma arma perigosa e deveria ser combatida. Nascia então o projeto Cosmos, uma série de divulgação científica com forte apelo popular e humano, que incomodou os fundamentalistas religiosos, apresentou algumas ideias proféticas de Sagan e foi o ponto de partida para a formação de inúmeros futuros cientistas. Dividida em treze episódios, a série veio acompanhada de um livro que leva o mesmo nome e é também dividido em treze capítulos, sendo cada um deles correspondente a um episódio da série televisiva. E é sobre Cosmos, livro e série, que venho tratar aqui hoje.

      "Uma viagem pessoal", esse é o subtítulo da série Cosmos e resume muito bem o tempo que passei acompanhado por Carl Sagan. Foram meses de leitura e assistindo a série. Uma jornada na qual, quando cheguei ao final, já não era mais o mesmo do princípio. Cosmos foi uma leitura que me surpreendeu muito. A começar por não ser um livro somente sobre o espaço, ideia que o título e capa podem transmitir quando nos deparamos com ele numa prateleira. Cosmos é o contrário de caos e parte da ideia de que existe uma ordem em todo o universo e de que todas as coisas nele estão interconectadas. Logo, vai tratar também de física, química, biologia, geologia, história, filosofia, antropologia e muitos outros temas, porém de uma forma que eu até então nunca tinha visto: totalmente humana e não técnica. Brilhante em várias áreas, Sagan também o é na escrita e na arte de se comunicar em geral. Seja através das páginas ou das câmeras, a forma como ele transmite o que quer dizer é única e ao mesmo tempo universal. Não é raro se emocionar em alguns momentos, como eu me emocionei, afinal sua prosa é repleta de sentimento e nos deixa com a sensação de que estamos tendo um profundo diálogo com o autor. Você pode não ter gostado de ciências na época da escola mas garanto que nenhum professor a apresentou como Sagan o faz aqui. 

      Vivemos uma época em que a negação da ciência e o culto a ignorância estão muito presentes em nossa sociedade e Cosmos é um verdadeiro antídoto contra isso. Tales, Pitágoras, Demócrito, Platão, Eratóstenes, Ptolomeu, Hipatia e muitas outras mentes brilhantes habitaram nosso planeta até a destruição da Biblioteca de Alexandria e o início da Idade das Trevas. Foram então aproximadamente mil anos de perseguição e repressão contra aqueles que buscavam o conhecimento. Só após o Renascimento, os estudos foram retomados e Da Vinci, Copérnico, Kepler, Huygens, Newton, Einstein e outras mentes questionadoras voltaram a surgir. Quanto se perdeu nesse obscuro período em que a humanidade permaneceu "adormecida"? Poderia acontecer uma segunda era das trevas hoje? Será que podemos fazer algo para impedi-la?

      Apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1980, e mesmo com todos os avanços científicos que ocorreram desde então, a obra envelheceu bem. Claro que em quarenta anos muita coisa mudou, algumas teorias se mostraram proféticas enquanto outras foram refutadas, algumas correções se fizeram necessárias. As notas do livro e os vídeos de atualização da série cumprem muito bem esse papel. Mas o cerne da questão, a forma como compreendemos o universo e o uso que fazemos de nossa inteligência e tecnologia, permanece. O toque humano que Sagan deu a ciência faz de Cosmos, livro e série, uma obra universal e atemporal. É um convite ao pensamento crítico, uma obra que apresenta muito mais questões do que respostas e um alimento para a mente. Embarcar nessa viagem é também iniciar uma jornada de autoconhecimento e transformação pessoal.

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