RESENHA: O Adolescente - Fiódor Dostoiévski

      Publicado pela primeira vez em 1875, "O Adolescente" figura entre os principais romances do escritor, filósofo e jornalista russo Fiódor Dostoiévski, ao lado clássicos como "Crime e Castigo", O Idiota" e "Os Irmãos Karamázov". Escrito em formato de memórias, aqui vamos acompanhar a narrativa de Arkadi Dolgorúki em seu ingresso na sociedade russa e no mundo dos adultos. Arkadi é filho bastardo de um nobre senhor de terras com uma humilde serva, que era casada com outro homem. Foi criado em um internato onde sofreu inúmeras agressões e enfrentou privações, cresceu tendo uma humilde mesada como a única forma de contato com sua família e, aos 20 anos, resolveu fazer uma visita aos pais. Desembarcou em Petersburgo decidido a romper de vez os laços com sua família, mas o que encontrou foi seu pai, um ex nobre, rebaixado socialmente e envolvido em desavenças com a alta sociedade e em disputas judiciais. Atraído pelo enigma que é o seu pai e fazendo amizades na alta sociedade, Arkadi acaba emaranhado em uma rede de intrigas e cada vez que tenta se livrar dela percebe-se ainda mais preso a uma sociedade da qual não queria fazer parte. 


      Como é comum nas obras de Dostoiévski, para entender melhor "O Adolescente" é preciso compreender também o contexto histórico em que o romance foi concebido. Após as reformas de 1861, a Rússia se encontrava em um período de transição para o capitalismo. A nova geração se via diante de um novo leque de opções e responsabilidades ao ingressar na vida adulta. Na época, o termo adolescente estava muito mais ligado a essa nova geração do que ao que conhecemos como adolescente hoje. A nobreza via seu papel social se distorcer, o dinheiro passou a ser priorizado e a entrar por todos os lados da sociedade, o que também trouxe degradação moral. Arkadi é um dos adolescentes desse conturbado período. O dinheiro é fundamental para a execução de sua ideia inicial e, já com um plano para atingir a riqueza e a ascensão social, Arkadi chega a Petersburgo mas é engolido pelo caos social que habita a cidade: desavenças familiares, um príncipe moribundo, outro em decadência, casamentos com segundas intenções, suicídios, jogos de roleta, bebedeiras, e uma gangue de chantagistas. Esses são alguns dos elementos que irão cruzar o caminho de Arkadi e que, juntos a outros acontecimentos, a princípio irão intoxicá-lo e, posteriormente, fazê-lo rever seus objetivos e conceitos, construir sua moral e questionar seu papel social. O que faz de "O Adolescente" um romance de formação clássico. 

      Política e religião, temas intrínsecos a obra de Dostoiévski, também marcam presença aqui. O "pensamento russo" e o deísmo têm seus conceitos apresentados e discutidos em diálogos e devaneios, principalmente por parte do personagem Versiélov, pai de Arkadi, que possui fortes traços autobiográficos de Dostoiévski. Os conceitos do "duplo" e da "Idade de ouro" também são explorados, embora de forma um pouco mais contida, e podem ser vislumbrados mais ao final do romance. 


      Mais uma vez, Dostoiévski juntou a ficção ao contexto histórico para compor uma obra de impacto e que permanece atual. O ingresso a sociedade e a vida adulta ainda hoje pode ser um período confuso e intoxicante. Arkadi encontrou o seu amadurecimento no lado mais sórdido da vida e em meio ao caos social. Será que tempos difíceis fazem grandes homens? Se olharmos para a trajetória de Arkadi podemos dizer que sim, mas se olharmos a sua volta vamos ver que não. Nobres caíram em decadência, jovens recorreram a criminalidade, aqueles que eram promissores perderam a esperança e encontraram no suicídio a sua única saída. Arkadi por muito pouco não se sucumbiu, mas foi recompensado e acabou saindo fortalecido. Sejamos todos Arkadi e não façamos do meio uma desculpa para sermos desonestos.

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