RESENHA: A Caverna - José Saramago


      A história de um oleiro, sua filha, um guarda, uma viúva e um cachorro de nome Achado. Cipriano Algor passa a maior parte de seus dias enfurnado na olaria de sua família trabalhando na produção de utensílios de cerâmica. A Olaria dos Algores é um dos fornecedores do Centro, instituição obscura e enigmática que controla não só todo o comércio local como também a vida de seus habitantes, incentivando o consumismo desenfreado, alienando-os e mantendo-os sob uma rigorosa vigilância através de câmeras de vídeo e guardas. Parecia apenas mais um dia comum na rotina de Cipriano quando ele chegava ao Centro para realizar mais uma de suas entregas mas se viu surpreendido pela nova resolução do Centro: os utensílios de cerâmica estão saindo de moda, a indústria do plástico deve tomar o seu lugar. Em resumo, o Centro não precisava mais de seus serviços. Depois de três gerações na família Algor, a olaria estava agora com seus dias contados, uma vez que aquilo que não é comercializado pelo Centro não pode ser vendido de nenhuma outra forma. Por ironia do destino, aquilo que veio a ser a ruína de Cipriano poderia vir a se tornar a sua única saída. Sua filha, Marta, é casada com Marçal, um aspirante a guarda residente do Centro. A promoção do genro lhe dará a oportunidade de ir morar no Centro, junto com o casal. Mas será que é isso que Cipriano Algor quer? Deixar pra trás a olaria da família, a amizade do cãozinho Achado, os encontros e desencontros com a vizinha Isaura e trocar a vida no campo pela modernidade do Centro?


      O duro golpe dado pelo Centro faz Cipriano Algor repensar a sua vida e questionar qual é o seu lugar no mundo. Sua vida inteira havia sido dedicada ao trabalho na olaria e, de repente, isso lhe foi tirado. Quantas vezes precisamos perder aquilo que temos, apenas para descobrir que na verdade estávamos presos a uma zona de conforto, e só assim passamos a enxergar além? Cipriano descobre que nunca é tarde demais para recomeçar. Mas essa não é uma história apenas de recomeços. É também uma crítica social, mas não só isso. Saramago usou de personagens e situações cotidianas para construir uma parábola do Mito da Caverna, de Platão. E assim como o mito, esse é um livro repleto de simbolismo e sujeito a diferentes interpretações.


      Vale destacar aqui alguns pontos que me chamaram a atenção durante a leitura. Os diálogos entre os personagens são muito inteligentes, bem construídos e repletos de significados, principalmente os que acontecem entre pai e filha. As personagens femininas da história, apesar de poucas, são muito fortes e marcantes. Sabemos o quanto a falta delas pode incomodar na obra de alguns autores, mas quando se trata de Saramago não há do que reclamar, as mulheres sempre são ponto chave de suas histórias e estão muito bem representadas em suas obras. O autor imprimi muita humanidade em seus personagens dando um verdadeiro sopro de vida a eles, isso deixa a narrativa bem mais verossímil e torna muito fácil a identificação com esses personagens. Com esse toque de humanidade, Saramago conseguiu trazer, da teoria para a prática, do abstrato para o concreto, e do complexo para o simples, o Mito da Caverna. O que faz de "A Caverna" mais uma obra impecável do mestre português.

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