RESENHA: Kafka à beira-mar - Haruki Murakami

      Quem me acompanha por aqui já sabe o quanto eu gosto de conhecer novos países e novas culturas através da literatura. E o Japão figura entre um dos países que acho mais intrigantes e enigmáticos e que, portanto, tenho mais vontade de conhecer. Minha primeira experiência com a literatura japonesa se deu através da obra de Kenzaburo Oe, que, apesar de eu ter gostado, não posso dizer que tenha exatamente me cativado. Não foi bem o que eu buscava naquele momento, que era uma maior imersão na cultura e nos costumes japoneses. Para essa segunda investida resolvi apostar em um dos maiores nomes da literatura japonesa contemporânea. Haruki Murakami teve sua obra traduzida para mais de cinquenta idiomas e foi vencedor de inúmeros prêmios em sua carreira, entre eles o Tanizaki (1985), o Yomiuri (1995), o Franz Kafka (2006), o Jerusalém (2009), o Catalunha (2011) e o Hans Christian Andersen (2016). Sua escrita é marcada por surrealismo, fatalismo e melancolia, com fortes influências de autores como Franz Kafka, Kurt Vonnegut e Raymond Chandler. E posso dizer que, dessa vez, eu acertei na escolha!

      Publicado pela primeira vez em 2002, "Kafka à beira-mar" vai nos contar a história de dois protagonistas em uma jornada em busca do autoconhecimento. Kafka Tamura é um adolescente tímido e solitário que mora com o pai. Quando pequeno, sua mãe o abandonou levando consigo sua irmã e, desde então, ele nunca mais as viu. Seu pai não é mais que um estranho morando na mesma casa e, para piorar, ele ainda o amaldiçoou com uma terrível profecia. É por essas e outras que, na véspera de seu aniversário de quinze anos, Kafka decide fugir de casa e acaba indo morar numa biblioteca que guarda muitos segredos. Do outro lado temos Satoru Nakata, um velhinho simpático que, quando criança, passou por uma experiência traumática que o deixou "fraco da cabeça". Nakata perdeu a memória e capacidade de ler a escrever e, além disso, desenvolveu o curioso dom de conversar com gatos. Agora, ele passa seus dias procurando por gatos perdidos em troca de recompensas oferecidas pelos donos dos bichanos. Mas o que Kafka e Nakata, dois personagens tão distintos, podem ter em comum? Isso só o destino é capaz de responder.

      Ao mesmo tempo em que vai lidar com questões tão sérias como a busca pelo autoconhecimento, solidão, sexualidade e amadurecimento, Murakami também irá trazer diversos elementos fantásticos para a história. O surrealismo se faz muito presente na obra e o autor fará o uso de muitas metáforas durante a narrativa, brincando o tempo todo com realidade e fantasia. Como se não bastasse todos esses elementos, "Kafka à beira-mar" ainda traz inúmeras referências a literatura, música clássica, tragédias gregas, artes e cultura pop em geral. A cultura japonesa, é claro, também se faz presente. Além de nos levar a diversas cidades do Japão, a leitura irá nos permitir conhecer algumas das lendas e costumes do país. Esse é um daqueles livros em que a narrativa e a jornada dos personagens irá superar a trama em si. A escrita de Murakami é tão leve, gostosa e cativante que nem mesmo as muitas pontas soltas que o autor deixa ao final da obra sequer incomodam. O poder de imersão do autor é tão grande que, em poucas linhas, ele consegue nos fazer esquecer do mundo ao redor e nos transporta direto para as ruas do Japão. Sabe aquele tipo de livro que você sente saudade ao fechá-lo? Que mesmo quando não está lendo você se pega pensando nos personagens e querendo voltar logo pra junto deles? É isso que "Kafka à beira-mar" foi pra mim, um aconchegante abrigo e um refúgio seguro para os dias difíceis. Mas não se engane, longe de ser apenas uma leitura para se distrair, "Kafka à beira-mar" é mais como um convite para o leitor se recolher e olhar para dentro de si mesmo em busca do autoconhecimento.

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