RESENHA: Prazer em Queimar - Ray Bradbury

      Publicado pela primeira vez em 1953, "Fahrenheit 451" é um romance distópico que retrata um futuro no qual não apenas os livros foram proibidos, mas qualquer forma de pensamento crítico foi sumariamente suprimida. A obra figura ao lado de nomes como "1984" (George Orwell), "Admirável Mundo Novo" (Aldous Huxley) e "Nós" (Yevgeny Zamyatin) e é tida como um dos pilares da literatura distópica. "Prazer em Queimar" reúne treze contos que deram origem a "Fahrenheit 451" e mais três contos escritos posteriormente. Apesar das histórias de Fahrenheit serem o ponto central dessa coletânea, ela não se resume a isso e vai explorar muitos outros temas que o autor aparentemente acabou não levando para o romance. Portanto, essa é uma leitura que, além de expandir e enriquecer o universo de Fahrenheit, ainda nos permite acompanhar o processo criativo e o amadurecimento da escrita do autor que culminou em um dos maiores clássicos de literatura mundial.


      Enquanto alguns contos são basicamente cenas de Fahrenheit ("A Biblioteca"), outros passeiam pelos mais variados temas que vão desde a ideia do enterro prematuro ("O Reencarnado") até viagens no tempo ("Para o Futuro"). A obra de Edgar Allan Poe é outro assunto recorrente e é ricamente explorada aqui, seja através das inúmeras referências que surgem ao longo da leitura ou até mesmo quando o próprio Poe assume o papel de personagem ("Os Feiticeiros Loucos de Marte"). "Muito Depois da Meia-Noite" e "O Bombeiro" são rascunhos do que viria a se tornar Fahrenheit, o primeiro um pouco mais cru e o segundo um conto mais acabado e já bem próximo do romance. Os três contos extras nos dão uma ideia do mundo pós-Fahrenheit e fecham essa coletânea com chave de outro. Assim como Fahrenheit choca por suas semelhanças com o presente, o mesmo acontece com "Prazer em Queimar". Contos como "Um Grilo na Lareira", "O Pedestre" e "O Sorriso" estão assustadoramente próximos da nossa realidade. E como diz Bradbury em uma das passagens do livro: "Enquanto houver um cientista inescrupuloso e um político sujo no mundo, eles se juntarão e farão uma bomba pelo primeiro motivo bobo que encontrarem". Parece que isso insisti em se manter atual, não é mesmo?


      Talvez você esteja se perguntando: "Quanto esses contos podem acrescentar para quem já tenha lido Fahrenheit?" Eu também me fiz essa pergunta antes de iniciar a leitura e confesso que tive minhas dúvidas, mas acabei sendo totalmente surpreendido. Existe certa conexão entre os contos, alguns se passam no passado e outros no futuro e conforme avançamos na leitura nós vamos ligando os pontos. É como montar um mosaico. Claro que alguns contos são melhores do que outros, mas cada um tem o seu papel. Nada é descartável nesse livro! Nem mesmo os dois rascunhos de Fahrenheit, que nos permitem acompanhar mais de perto a evolução no processo de escrita do autor e a confecção da obra final. Seus diálogos, suas críticas, sua sagacidade e tudo o que Bradbury tem de mais genial está aqui (ás vezes até em um conto de não mais que cinco páginas, mas quantos escritores conseguem essa façanha?). Uma pena que alguns desses contos tenham ficado na obscuridade e só vieram a ganhar as páginas em 2010, mas antes tarde do que nunca. E o fato deles não terem perdido seu impacto é mais uma prova do incrível poder que Bradbury tinha de imaginar os rumos da sociedade. "Prazer em Queimar" foi uma leitura arrebatadora, reflexiva e que gerou ótimos debates no nosso grupo de leitura. Inclusive gostaria de deixar aqui um agradecimento a todos os amigos que leram com a gente. Esse livro merece ser mais conhecido, vamos espalhar a palavra de Bradbury!

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