RESENHA: A Barata - Ian McEwan

      "Naquela manhã, Jim Sams, inteligente mas de forma alguma profundo, acordou de um sonho inquieto e se viu transformado numa criatura gigantesca." Com essas palavras Ian McEwan dá início a essa "Metamorfose" às avessas, na qual uma barata acorda no corpo de um humano, mas não de um humano qualquer, Jim Sams ocupa o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha. As referências a obra de Kafka param por aí e a partir desse a ponto McEwan, no melhor estilo Jonathan Swift, trilha o caminho da sátira. "A Barata", novela publicada pela primeira vez em 2019, foi inspirada nos acontecimentos que giraram em torno do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e reflete as tensões políticas que têm assolado o mundo atual. Aqui McEwan constrói um intrincado jogo político que envolve movimentos populistas, patrióticos e de extrema direita. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência!

      Na trama o ministro-barata usa do populismo e se aproveita da polarização do povo para implantar um sistema que promete "purificar" o país: o reversalismo. Sistema no qual o fluxo do dinheiro é invertido: paga-se para trabalhar e ganha-se ao adquirir um produto ou serviço, e é estritamente proibido economizar dinheiro. Apesar de todos os alertas que recebe de especialistas para as consequências que uma ação radical como essa pode trazer, Sams, impulsionado pelo grito popular, decide levar seu plano adiante, custe o que custar, e para isso vai usar de ferramentas como fake news, cortina de fumaça e todos os ardis políticos que sua privilegiada posição lhe permite.

      Muito mais que uma homenagem a Kafka, a escolha da barata para desempenhar o papel de um político é muito significativa. Logo após a transformação nosso primeiro-ministro lembra com nostalgia dos seus dias de barata, quando rastejava em meio a excrementos e comia moscas à vontade. Mas ao longo da narrativa ele vai percebendo que os jogos políticos podem ser tão excitantes e divertidos quanto. Aliás, o humor se faz muito presente na obra e como o autor diz em seu posfácio: "Se a razão não abrir os olhos e prevalecer, então talvez só nos reste o riso". Rir é bom, mas que a nossa razão desperte o quanto antes, e esse livro é um ótimo despertador!

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