RESENHA: Iron Maiden: Run to the Hills - Mick Wall

      Ler a biografia de um artista ou banda que gosto é sempre uma experiência incrível, adoro mergulhar fundo na história e revisitar álbuns clássicos que fazia tempo que eu não escutava ou até mesmo dar uma segunda chance aqueles mais subestimados e descobrir novas relíquias, e com o Maiden não foi diferente. Meio óbvio que um leitor e amante de heavy metal goste de Iron Maiden, né? Contexto histórico, mitologia, horror e ficção científica são temas recorrentes em sua discografia. Com composições inspiradas nas obras de Leroux, Poe, Frank Herbert, Coleridge, Umberto Eco, Huxley e de muitos outros mestres, a banda é um prato cheio pra quem gosta de literatura. Nem preciso dizer o quanto sou fã. O que mais posso dizer sobre o Iron Maiden? Que vendeu "x" álbuns, tocou para "y" pessoas e influenciou "z" bandas? Essa não foi a ideia do jornalista musical britânico Mick Wall ao escrever esse livro e nem é a minha ao resenhá-lo. O que Mick faz aqui é jogar uma luz, ou dar um zoom, em pequenos eventos que aconteceram em torno da banda ao longo dos anos e que, quando conectados e contemplados em sua totalidade, formam esse belo quadro chamado Iron Maiden. A tarefa não é fácil, claro, é como tentar montar um complexo quebra-cabeça. O que levou aquela banda que tocava em pubs a tocar em grandes arenas e festivais pelo mundo todo? Qual é o segredo para se manter relevante por mais de quatro décadas em um cenário complicado como o do heavy metal, renovando seu público constantemente mesmo se recusando a seguir qualquer tendência? Esse livro é uma tentativa imperfeita, nas palavras do próprio autor, de responder a essas perguntas.

(Steve Harris)


(Bruce Dickinson)

      Aqui nós vamos acompanhar a trajetória do Maiden desde o seu embrião, quando ainda era só uma ideia na cabeça do jovem Steve Harris depois de desistir da carreira de jogador de futebol profissional. O tipo de cara que não só sabe o que quer como também sabe como conseguir, assim podemos descrevê-lo. Suas primeiras experiências musicais, relatadas aqui, podem não ter dado em grande coisa, mas a partir do momento que fundou a própria banda uma coisa era certa: O Iron não faz apresentação, ele dá espetáculo! A grana podia ser curta e a produção simples, mas no fim dos anos 70 o Iron já se preocupava em entregar muito mais que um show para o seu público e foi assim que, antes mesmo de gravar seu primeiro álbum, a banda começava a conquistar sua legião. É aí que entram os "pequenos eventos" que mencionei acima e que são minuciosamente relatados ao longo da leitura: a equipe por trás da banda que se desdobrava em criatividade, o nascimento de Eddie (o mascote da banda), o surgimento da NWOBHM, o empresário Rod Smallwood, os primeiros contratos com a EMI, a turnê com o Judas Priest, com o KISS, o produtor Martin Birch, a entrada de Bruce Dickinson, enfim, a escalada degrau a degrau até o estrelato. Olhando em retrospecto para a história do Maiden é possível entender alguns dos motivos que levaram a banda ao ponto em que chegou, sendo o principal deles o próprio Steve Harris que, além de defender a música e a imagem de sua banda com unhas e dentes, provou ser uma espécie de detector de qualquer problema que pudesse vir a por em risco a integridade do Maiden. E não foram poucos esses problemas, mas o "Sargento Harris" sempre tomou as rédeas da banda e colocou-a de volta nos trilhos quando preciso. Ao final da leitura uma coisa fica clara: o Maiden sempre entregou o melhor de si que o momento permitia, seja em estúdio ou em cima do palco.

(O atual trio de guitarristas: Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers)


(Nicko McBrain)

      As reviravoltas, as mudanças na formação, a metodologia de composição da banda, os bastidores de episódios marcantes como a apresentação diante de 250 mil pessoas no Rock in Rio III, em 2001, tudo isso é relatado aqui. Embora a biografia tenha sido autorizada pela banda, vamos ver que os integrantes estão longe de concordar em tudo. Em diversos momentos, por exemplo, Steve e Bruce dão versões conflitantes de certos acontecimentos, o que é legal, pois dá certo dinamismo a obra, e cabe ao leitor  montar parte desse quebra-cabeça. Li muitas críticas a respeito dessa biografia, principalmente no sentido de que ela estaria abaixo do nível Mick Wall de excelência atingido, por exemplo, nos livros sobre o Led Zeppelin e o AC/DC. Tendo lido esses outros posso dizer que concordo com a maioria das críticas. A começar pela edição: com folhas brancas e inúmeros erros de português, essa edição da Évora/Generale fica muito abaixo da qualidade oferecida pela concorrente Globo Livros (editora que trouxe muitos outros títulos do autor para o Brasil). Quanto ao trabalho de Mick Wall, pode-se dizer que esse é um livro mais focado nos primórdios e na fase atual (na época de sua publicação) da banda. O estágio embrionário do Maiden ocupa grande parte do livro enquanto a fase áurea é quase que suprimida, tendo o período que compreende clássicos que vão do "Number of the Beast" ao "Seventh Son of a Seventh Son" resumido em poucas páginas. Publicada pela primeira vez em 1998 (embora tenha sido retocada posteriormente, cobrindo a fase até o "Dance of Death"), a obra, obviamente, soa desatualizada. Muitos anos se passaram desde que foi escrita e, embora a autobiografia de Bruce Dickinson, lançada em 2017, sirva como um bom complemento, o livro de Mick Wall, definitivamente, está longe de ser uma biografia a altura da banda. Se você, como eu, é fá de Maiden, claro, vai gostar, é uma leitura interessante, mas vai ficar com aquela sensação de que faltou algo.

(As várias encarnações de Eddie, por Derek Riggs)


(A banda em sua última passagem pelo Brasil, no Rock in Rio 2019 - Foto de Marcelo Brandt/G1)

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