RESENHA: Um Pequeno Herói - Fiódor Dostoiévski


      Publicada pela primeira vez em 1857, a novela "Um Pequeno Herói" pode não ser das mais famosas, mas é, sem dúvida, uma das mais importantes peças que compõem a biografia do escritor russo Fiódor Dostoiévski. Preso em 1849, acusado de participar de um grupo revolucionário e de conspirar contra o tsar Nicolau I, Dostoiévski passou oito meses confinado na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petersburgo, onde teve sua pena de morte decretada e, mais tarde, comutada para trabalhos forçados. No período de cárcere, Dostoiévski se dedicou à leitura e à escrita, mas, infelizmente, a maior parte do material redigido acabou de perdendo, sendo "Um Pequeno Herói" e algumas cartas dirigidas ao irmão, Mikhail, os únicos sobreviventes desse obscuro período da vida do escritor.

      Ao contrário do que se imagina e em contraste com o terrível momento no qual foi escrita, temos aqui uma novela mais delicada e colorida, centrada nos sentimentos de um garoto de onze anos que vive sua primeira experiência amorosa em meio a um ambiente festivo moscovita, regado a jantares luxuosos, passeios a cavalo, bailes de gala, grandes teatros e, é claro, belas mulheres. E é uma dessas beldades que vai chamar a atenção do nosso pequeno herói, a enigmática Madame M. Mesmo em poucas páginas, Dostoiévski consegue dar profundidade, como só ele sabe, ao estado psicológico e de espírito do protagonista. Aos onze anos, nosso pequenino entra em contato pela primeira vez com uma miríade de sentimentos como amor, solidão, vergonha e raiva. Sentimentos esses que o guri, em toda sua inocência, tenta compreender e assimilar. Tarefa árdua para alguém tão novo, não é? E o livro ainda possui outras camadas. Embora não desprovido de críticas sociais, essas se encontram de forma bem mais sutil aqui em do que em outras obras do autor. Outra coisa que chama a atenção é a rica descrição dos elementos da natureza, novidade na escrita de Dostoiévski até então.

(Fiódor Dostoiévski)

      Mas por que Dostoiévski escreveu uma obra tão diferente enquanto esteve na prisão? Suas cartas enviadas ao irmão durante esse período, e das quais podemos conferir alguns trechos no rico posfácio dessa edição, nos dão algumas pistas em relação a isso e ajudam a entender um pouco melhor os motivos que o levaram a escrever uma novela voltada para a infância. Lembranças de sua juventude eram recorrentes enquanto estava encarcerado e reviver o passado foi uma das formas que Dostoiévski encontrou para amenizar seu sofrimento. O cárcere e a quase execução de sua pena de morte acabaram se revelando uma espécie de despertar espiritual e de renascimento para o autor. Talvez por isso Dostoiévski tenha se voltado para uma das fases mais reluzentes da vida, aquela em que o mundo ganha novas cores, e que é também a fase das descobertas, sejam elas prazerosas ou desagradáveis. Dois séculos depois, a passagem da infância para a vida adulta não é tão diferente assim da relatada em "Um Pequeno Herói". Nessa conturbada fase da vida, e às vezes ainda depois dela, nos vemos, muitas vezes, face a face com os mesmos medos e inseguranças que assombraram o nosso pequeno herói.

(Fortaleza de Pedro e Paulo, nos dias atuais.)

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