RESENHA: Alan Moore - Providence

      Muito mais que uma simples adaptação, "Providence" é a maior incursão de Alan Moore ("V de Vingança", "Watchmen", "Monstro do Pântano" e "A Liga Extraordinária") no universo onírico de H. P. Lovecraft, algo que ele já havia explorado antes, embora em menor grau, em "O Pátio" (2003) e no polêmico "Neonomicon" (2010/2011), mas que aqui é muito mais aprofundado e levado para outro nível. Publicada entre 2015 e 2017, a série é composta por doze volumes e foi trazida ao Brasil pela editora Panini, que a dividiu em três tomos. Nessa resenha trago minhas impressões sobre a série como um todo, embora sem grandes spoilers.

(Alan Moore)

(H. P. Lovecraft)

      Ambientada na Nova York de 1919, aqui nós vamos acompanhar a trajetória de Robert Black, repórter do "New York Herald" que parte em busca de uma matéria para o jornal e, após o suicídio de uma pessoa amada, acaba caindo na trilha de um antigo livro árabe que guarda muitos segredos. Enquanto se dedica ao processo de escrita de seu livro, um sonho antigo que vinha há muito tempo sendo postergado, Black parte para a Nova Inglaterra. O que ele não imaginava era que essa trilha poderia acabar descortinando todo um mundo oculto e subterrâneo, tomado de sombras e pesadelos, jornada essa que pode vir a custar a sanidade do nosso protagonista.

      Mas por que digo "Providence" é bem mais que uma adaptação? Alan Moore sempre coloca muitas camadas em suas histórias e aqui não é diferente. Além de explorar o vasto universo de Lovecraft, com todas as suas entidades, cultos e mitos, Moore também faz referências a obra de Robert W. Chambers e Edgar Allan Poe, ou seja, entrega um prato cheio para os fãs de terror. E não bastasse todo o horror que a obra traz, aliás, horror esse que é muito bem traduzido pela arte de Jacen Burrows, temos ainda um fundo psicológico muito bem trabalhado, onde Black trava uma batalha constante para lidar com questões como sexualidade e luto. Ao final de cada volume, nos são reveladas algumas páginas do diário de Black, o que nos permite mergulhar fundo no psicológico do personagem e entender melhor os seus medos, aflições e as causas de seus pesadelos.

(O diário de Black)

      A obra também possui um rico fundo literário, com algumas páginas do diário de Black sendo dedicadas às ideias para o seu livro, o que nos coloca dentro da cabeça do escritor e nos permite acompanhar mais de perto o processo criativo de escrita. Ao longo da história, Black também frequenta alguns círculos literários, o que nos coloca no meio de alguns debates bem interessantes sobre o tema. "Providence" ainda explora a biografia do próprio Lovecraft (afinal ela leva o nome da cidade onde o escritor nasceu, né?) e entrega um final tipicamente lovecraftiano, daqueles que, ao virar a última página, nos perguntamos: "O que foi que aconteceu aqui?"

      Agora vem a pergunta que não quer calar: "É preciso ler tudo de Lovecraft para entender Providence?"  Quanto mais você tiver lido, mas rica será sua leitura. A trama de Moore caminha com as próprias pernas, mas é necessário um mínimo de contato com a obra lovecraftiana para que você entenda, principalmente o desfecho da história. Leia a maior parte que conseguir ou pelo menos os contos mais famosos, assim você já terá uma boa base. A obra está tomada de easter eggs e existem até alguns sites que trazem uma análise quadro a quadro, onde todas as referências são minimamente esmiuçadas. Acho que nem o mais aficionado fã conseguiria pegar tudo sozinho em uma única leitura. Mas não se assuste, algumas coisas também são bem secundárias. E como sabemos, o horror de Lovecraft é muito baseado na imaginação do leitor e com "Providence" não é diferente, apenas embarque nessa viagem pela "América oculta" e deixe a sua mente levitar.

Comentários