RESENHA: A Ilha Misteriosa - Jules Verne


      Publicado pela primeira vez em formato de folhetim no periódico francês "Magasin d’éducation et de récréation", entre janeiro de 1874 e dezembro de 1875, "A Ilha Misteriosa" é a concretização de um antigo sonho de Jules Verne: escrever o seu "Robinson moderno". Entusiasta das histórias de náufrago, Verne tinha obras como "Robinson Crusoé" (Daniel Defoe) e "Os Robinsons Suíços" (Johann David Wyss) entre as suas favoritas e já havia flertado com a ideia de escrever sua própria história de náufrago, em 1970. Rejeitada pelo editor, a obra, intitulada "Tio Robinson", acabou sendo engavetada, mas Verne não havia desistido da ideia. Quatro anos mais tarde, já com a escrita mais refinada e tendo obras como "20 Mil Léguas Submarinas" e "A Volta ao Mundo em 80 Dias" adicionadas a seu currículo, Verne e seu editor decidiram que era a hora certa para retomar a ideia. Nascia então um novo romance: "A Ilha Misteriosa".

      Aqui nós vamos acompanhar a trajetória de cinco "náufragos do ar": o engenheiro Smith, o repórter Spillet, o criado Nab, o marujo Pencroff e seu pupilo, Harbert. Sitiados em Richmond, em meio a Guerra Civil Americana, a única forma que nossos amigos encontraram de escapar foi pelo céu, por meio de um balão. Mas o destino é cruel e livrou-os das garras de um inimigo apenas para lançá-los nas de outro. Surpreendido por uma tempestade, o balão desgovernado é arrastado por milhares de quilômetros e cai em uma ilha desconhecida no meio do Pacífico Sul, longe de qualquer civilização. Despojados de quaisquer armas, ferramentas e objetos pessoais, os náufragos terão que recomeçar praticamente do zero e refazer toda a trajetória da civilização para garantir a sua sobrevivência. Do fogo à eletricidade, passando pela domesticação de plantas e animais, a confecção das primeiras armas e ferramentas, a manipulação de materiais como o barro e os metais. O perigo, companheiro constante de nossos amigos, se faz presente através das forças da natureza, das feras selvagens e do receio de que essas paragens sejam habitadas por tribos selvagens ou visitadas por piratas da pior estirpe. Não bastasse tudo isso, estranhos acontecimentos passam a girar em torno do grupo de colonos, estaria alguma força sobrenatural agindo na ilha?

      Por baixo de suas camadas de aventura e de mistério, "A Ilha Misteriosa" esconde muitas outras. Aquilo que nos torna humanos, a relação do homem com a natureza, o preço cobrado pelo avanço técnico quando o capital é colocado acima do humanismo, essas são apenas algumas das discussões que o autor propõe ao longo da leitura. A ilha, microcosmo da civilização, é o laboratório onde Verne faz seus experimentos e reconstrói a sociedade, pode-se dizer, de forma utópica. Confesso que demorei um pouco para me conectar com o romance. As primeiras páginas são lentas e Verne é muito minucioso na descrição de alguns detalhes científicos (o que eu até gosto, mas em alguns momentos pode se tornar cansativo). Mas não tem como não se cativar por esses personagens e acabar sendo totalmente envolvido por essa história. Esse é aquele tipo de livro que vai conquistando a gente aos pouquinhos e, quando nos damos conta, já estamos vibrando junto com os colonos que acabaram de conseguir acender uma fogueira, ou então, compartilhando de seus medos ao passar uma noite na selva ouvindo sons nada agradáveis. E, às vezes, se deparando com questões morais e sociais que podem nos deixar pensativos por um longo tempo. Leitura altamente recomendada! Porém, atenção para a cronologia da obra de Verne: "A Ilha Misteriosa" se passa após os acontecimentos de "20 Mil Léguas Submarinas" e, apesar de não ser uma continuação direta, possui uma forte conexão.

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