RESENHA: Christine - Stephen King

"Esse carro dominou você (...) e acho que ninguém pode libertá-lo."


      Pode-se dizer que anos 80 foram, ao mesmo tempo, o auge e (quase) o fundo do poço para o escritor norte-americano Stephen King. Se por um lado sua carreira literária decolou com adaptações cinematográficas que o popularizaram e publicações de obras memoráveis como "Cujo" (1981), "O Cemitério" (1983), "It, a Coisa" (1986) e "Misery" (1987), por outro, os longos anos de vício em álcool e outras drogas cobraram seu preço. Foi uma década difícil para o Mestre e, se não fosse a intervenção de sua família e de seus amigos, ele poderia ter posto a perder tudo aquilo que havia lutado tanto para conquistar. Felizmente, King venceu a batalha contra seus demônios e está aí, escrevendo obras de sucesso até hoje. Curioso pensar que aquela que é considerada por muitos a fase áurea de sua escrita criativa também tenha sido marcada por um período tão obscuro de sua vida pessoal. Parte do material dessa década foi escrito sob influência de alguma droga, inclusive, o autor afirma nem mesmo se lembrar de ter escrito "Cujo". Mas uma coisa é inegável: nos anos 80, King escreveu algumas de suas melhores obras. E "Christine" é uma delas.

(Stephen King)

      Publicado pela primeira vez em 1983, "Christine" conta a história de Arnie Cunnigham, o típico adolescente que não se encaixa nos padrões e é alvo de todo tipo de perseguição na escola. As coisas começam a mudar quando Arnie se apaixona por Christine. Em sua companhia, Arnie se transforma e passa a se sentir forte e seguro. E quando está dentro dela, sentindo seu cheiro e seu hálito quente... ah, ninguém pode detê-lo. Pena que ela seja tão ciumenta e possessiva. Ah, sim. Tem um detalhe: Christine não é uma garota, mas um Plymouth Fury '58 com uma carroceria alvirrubra e uma sede insaciável de sangue. O que parecia um simples caso de um jovem em busca de autoafirmação toma ares mais sombrios quando coisas estranhas começam a acontecer em torno de Christine. Para o horror de seus pais e de seu único amigo Dennis, Arnie está mudando... e não para melhor. Uma "obsessão descontrolada e uma fúria inesgotável" estão a caminho. Portanto, se ouvir o ronco de um motor V8 no meio da noite é melhor se esconder, pois tem algo muito ruim andando pelas ruas da pacata cidade de Libertyville.

(Um dos modelos usados na gravação do filme, de 1983)

      Ok, a ideia de ter um carro assassino possuído, ou seja lá o que Christine for, à solta por aí pode até parecer meio tosca, mas nas mãos de Stephen King se expande para algo muito maior. King tem obras mais brutais como, por exemplo, os livros de Bachman, e obras mais focadas no terror psicológico e sensorial, como é o caso de "O Iluminado" (1977) e "A Zona Morta" (1979). "Christine" é o marco zero entre as duas coisas. Temos aqui o casamento perfeito entre um bom drama psicológico e um terror digno dos filmes trash dos anos 80. A primeira metade do romance é marcada pelo suspense. Com personagens bem elaborados e uma ambientação perfeita dos EUA do fim dos anos, King vai nos envolvendo em uma atmosfera adolescente que aos poucos vai se tornando mais pesada e aquela sensação inquietante de que algo de muito ruim pode acontecer a qualquer momento vai crescendo página a página. Depois, é só aço amassando carne. Muito sangue e gasolina, palavrões e mortes horrendas se juntam ao bom e velho rock 'n' roll para ditar o ritmo desse que é um dos melhores romances que já li do mestre Stephen King. "Christine" se tornou um clássico do terror não só na literatura mas também no cinema quando, em 1983, ganhou uma adaptação pelas mãos do diretor John Carpenter. Apesar de não agradar os críticos, o filme acabou conquistando uma grande legião de fãs e atingiu o status de clássico cult. E aí, você toparia dar uma volta na Christine?

(Cartaz do filme, de 1983)

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