RESENHA: Seminário dos Ratos - Lygia Fagundes Telles

      Nascida na cidade de São Paulo, em 1918, Lygia Fagundes Telles é considerada por muitos a maior escritora brasileira ainda viva. Vencedora de prêmios como o Jabuti (1966, 1974, 1996, 2001) e o Camões (2005), a "dama da literatura brasileira", como é conhecida, ocupa atualmente a cadeira de nº 16 na Academia Brasileira de Letras. Lygia foi a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Nobel de Literatura. Sua obra é marcada por temas como a morte, o amor, a loucura, o medo e a condição humana como um todo. Nos anos 70, se consagrou ao publicar algumas de suas principais obras como "Antes do Baile Verde" (1970), "As Meninas" (1973), "Seminário dos Ratos" (1977) e "Filhos Prodígios" (1978). Sempre procuro evitar criar muita expectativa em cima de uma obra literária, pois acho que isso pode atrapalhar um pouco a experiência de leitura, mas nesse caso foi meio que inevitável, pois eram tantas as indicações e os elogios que via sobre a obra de LFT. E agora, com um empurrãozinho do grupo de leitura "Entre Nós", finalmente tive o meu primeiro contato com a autora.

      "Seminário dos Ratos" é composto por treze contos, nos quais Lygia explora aquilo que está nas camadas inferiores do cotidiano. Os temas são bem variados embora estejam, de certa forma, interligados pela análise da condição humana. São histórias curtas, sujeitas a diferentes interpretações e que refletem muito a bagagem emocional do leitor. É o caso de "Herbarium", que nos remete aos primeiros amores, os platônicos, e de "Noturno Amarelo", que fala sobre acertar as contas com o passado e acaba nos levando a trilhar um caminho de autorreflexão. "WM" e "A Consulta" tratam da loucura, no primeiro vamos acompanhar o caso clássico de um duplo, e no segundo o hilário episódio de um louco que se passa por médico. "A Mão no Ombro" trata da morte com um sensibilidade ímpar e que me fez lembrar Tolstói em "A Morte de Ivan Ilitch". Alguns contos têm um leve toque de fantástico, como é o caso de "As Formigas" e "Lua Crescente em Amsterdã". O universo feminino também é ricamente explorado, dentro desse campo Lygia debate temas como o amor, o casamento, o sexo e a religião. É o que acontece, por exemplo, em "Senhor Diretor", "Pomba Enamorada" e "Tigrela", nesse último vamos conhecer uma mulher que mantém em seu apartamento de luxo uma tigresa muito peculiar. "A Sauna" traz à tona críticas que infelizmente ecoam até hoje em nossa sociedade e que mostram o quanto a obra de LFT está à frente de seu tempo. "A Presença" tem como marca a passagem do tempo e, por fim, temos o conto que dá título ao livro, uma sátira política.

      Foram muitos os elementos que me chamaram na escrita de LFT: o fluxo de consciência, o realismo fantástico, a melancolia, o fundo poético que acompanha alguns de seus contos e a forma como ela deixa algumas coisas subtendidas, o suficiente para instigar a imaginação do leitor. Alguns contos conversaram mais direta e intimamente comigo, como foi o caso de "Noturno Amarelo", o meu favorito. Essa foi uma leitura mais de sentir e não tanto de pensar. Ao término de cada conto, às vezes batia um torpor, às vezes uma melancolia, outras vezes era assolado por alguma lembrança da infância e então brotava um sorriso. Os sentimentos foram os mais variados, mas uma coisa era certa, não tinha como passar batido. Cada conto foi sensível a seu modo. Ainda é cedo pra dizer, pois essa foi apenas minha primeira experiência com a autora, mas fiquei com a sensação de que, assim como Saramago e Dostoiévsk, Lygia é detentora de uma escrita muito característica e marcante. Bem como um apaixonado por música clássica reconhece a Sinfonia nº 5 de Beethoven na primeira nota, acho que um leitor de Lygia faria o mesmo com um pequeno trecho de sua obra. Mais uma grande escritora lida e  mais um vácuo preenchido em minha vida de leitor. Agora, é abrir espaço na estante para mais obras da "dama".

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