RESENHA: Torto Arado - Itamar Vieira Junior


      Nascido em 1979, na cidade de Salvador, Bahia, Itamar Vieira Junior é escritor, geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA. Publicou os livros de contos "Dias" (2012), "A Oração do Carrasco" (2017) e, mais recentemente, "Doramar ou a Odisseia" (2021). Seu único romance até então, "Torto Arado" foi publicado pela primeira vez em 2018 e faturou os prêmios Leya, Jabuti e Oceanos. Confesso que foi com certo atraso que li essa que tem sido uma das obras mais comentadas ultimamente no meio literário e cujo o impacto vou levar para a vida toda. Com uma narrativa embebida de lirismo e repleta de personagens femininas fortes, Itamar nos transporta para as profundezas do sertão baiano, mais precisamente para a fazenda de Água Negra, onde vamos acompanhar a vida das irmãs Bibiana e Belonísia, filhas de trabalhadores rurais descendentes de escravos. Uma faca é a responsável por criar um laço especial entre as irmãs e também por rasgar o véu da história e desvendar o passado. Passado esse que não está tão distante assim do presente, afinal,  para esse povo, pouca coisa mudou desde a abolição. A seca e a fome dividem espaço com as injustiças, as humilhações, o medo e a violência. Liberdade é apenas um nome. Essas terras continuam se alimentando não só do suor, mas também do sangue do povo de Água Negra.

(Itamar Vieira Junior)

      Essa é uma história que comove, entristece, causa dor e indignação. Uma leitura dura, porém necessária. "Torto Arado" dialoga não só com o passado escravagista do nosso país, mas também com o momento atual, uma vez que não dá para separar as duas coisas, afinal, esse é um problema que ainda  persiste nos dias de hoje. A obra também traz um rico fundo cultural, no qual vamos conhecer o Jarê: prática religiosa de matriz africana típica da região onde se passa a história e que envolve curadores, entidades, danças e brincadeiras; o que dá um toque de realismo fantástico a narrativa e também reflete o intenso trabalho de pesquisa realizado pelo autor. Mais que um romance, "Torto Arado" também é um documento histórico, uma denúncia e um triste retrato do nosso Brasil. Com ele, Itamar dá voz a todos aqueles que viveram, e ainda vivem, em condições análogas a escravidão e que tiveram, e ainda têm, as suas vozes caladas. Assim como "O Som do Rugido da Onça" me despertou para a situação dos indígenas, "Torto Arado" me abriu os olhos para a situação do povo quilombola. Uma obra corajosa, urgente e despertadora. Conheça!

(Fotografia que inspirou a arte de capa do livro, por Giovanni Marrozzini)

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