RESENHA: Coração das Trevas - Joseph Conrad


      Escritor inglês de origem polonesa, Joseph Conrad nasceu em 1857, na cidade de Berdichev, na época sob o domínio do Império Russo. Seu pai foi condenado a trabalhos forçados por conta de seu posicionamento político, o que acabou levando toda a família ao exílio na Sibéria. Órfão aos onze anos, Conrad retornou para sua terra natal e mais tarde, em 1874, foi para a França, onde se tornou marinheiro, experiência essa que ecoaria em toda sua obra, onde a relação homem e mar seria profunda e recorrentemente explorada. Mudou-se então para a Inglaterra, onde ganhou a cidadania britânica em 1884. Sua saúde debilitada o forçou a abandonar a carreira de marinheiro, foi quando Conrad trocou o mar pela escrita. Morreu em 1924, nos arredores de Londres.

(Joseph Conrad)

      Publicado primeiramente em formato folhetim, em 1899, "Coração das Trevas" é o maior legado deixado por Joseph Conrad. O romance retrata os horrores do imperialismo e se passa no Estado Independente do Congo, que na época estava sob o domínio do Rei Leopoldo II, da Bélgica. Estima-se que milhões de vidas foram ceifadas naquela região, onde os nativos, escravizados, estavam expostos a exaustão, inanição, doenças trazidas pelo homem branco, castigos e execuções. A banalização da violência no continente africano era muito comum naquela época, quando as grandes potências europeias invadiram, escravizaram, roubaram e mataram com a desculpa esfarrapada de que estavam guiando um povo selvagem e pagão para o progresso, a luz e a civilização.

      Apesar de ter se tornado um dos maiores clássicos de seu tempo, o romance de Conrad não obteve sucesso imediato. Mal recebida pela crítica, a obra levou um tempo para impactar o povo europeu, que até então preferia se manter alienado sobre a verdadeira situação do continente africano. Com o tempo, "Coração das Trevas" se tornou material de estudo em diversas universidades, embora também tenha feito opositores: há aqueles que não gostaram nem um pouco da ideia de um branco escrevendo sobre a exploração de um povo negro. Ainda que um pouco tardio, o impacto do romance foi tamanho que acarretou inúmeras adaptações e influenciou obras no mundo do cinema, da ópera, da música, do rádio e até dos games, a mais famosa delas o longa "Apocalypse Now" (1979), de Francis Coppola.

(Pôster do filme "Apocalypse Now")

      Aqui nós vamos acompanhar a narrativa do marinheiro Marlow, que esteve a bordo de um vapor no Rio Congo, no continente africano, onde ficou face a face com o horror. A premissa tem um forte teor autobiográfico, uma vez que o próprio autor chegou a navegar naquele mesmo rio a serviço de uma companhia belga, o que resultou em uma experiência nada agradável. Marlow sempre teve o sonho de conhecer a África e não pensa duas vezes quando surge a oportunidade de, assim como o autor, ir pra lá a serviço de uma companhia (sem saber exatamente o que ela faz lá). Tudo que Marlow sabe daquela terra é que poucos voltam de lá e que aqueles que voltam não são mais os mesmos. Nesse clima de mistério, embarcamos com Marlow em direção às trevas.


      Ali serão escancarados todos os horrores do colonialismo. A narrativa gera desconforto, não só pelos temas tratados mas também pela técnica do enquadramento, usada aqui por Conrad. Marlow está contando sua aventura no Rio Congo a um grupo de amigos, logo temos uma história dentro de outra história. Confesso que senti um pouco de dificuldade. O livro é curto mas a leitura é densa, quase um fluxo de consciência. Narrado em primeira pessoa por um narrador que passou por um evento traumático, o romance é repleto de reticências. Enquanto narra sua história, Marlow vai hesitar, se irritar, devanear, enfim... O que me levou adiante foi o mistério envolvido em torno do Sr. Kurtz, um comerciante de marfim que adentrou a selva e parece ter perdido, mais que sua sanidade, sua civilização. Marlow é encarregado de resgatá-lo e parte para o coração da selva, ou melhor, das trevas. O que começa como uma aventura logo se torna mistério e avança para outros campos como o da crítica social e do contexto histórico, além da psicologia e da filosofia envolvidos.


      Apesar da dificuldade que tive de me conectar com a história, é sempre recompensador ler um clássico. O contexto histórico, as questões existenciais que surgem ao longo da narrativa e o caso do Sr. Kurtz foram os pontos que mais me chamaram a atenção nessa leitura. Com certeza não consegui absorver tudo que o livro tem a oferecer e uma futura releitura será muito bem-vinda. Sobre a edição da Antofágica, dispensa comentários. Esse foi o meu primeiro livro deles e estava curioso para finalmente conhecer o trabalho editorial da casa. Capa dura, folhas amareladas, ilustrações de saltar os olhos e que conversam muito bem com a trama, diversos textos extras e, pra completar, um belo postal. Enfim, todo o cuidado que um clássico merece!


*As ilustrações acima são de autoria do artista plástico Cláudio Dantas.

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