RESENHA: O Som da Montanha - Yasunari Kawabata


      Nascido em 1899, na cidade de Osaka, Yasunari Kawabata foi um célebre escritor japonês, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1968 e defensor do chamado "Shinkankakuha" (ou neo-sensorialismo), movimento literário que visava uma revolução na literatura japonesa e propunha uma nova estética lírica, impressionista e altamente sensorial. Sua escrita é marcada por uma forte presença dos elementos da natureza em contraste com a condição humana, muitas vezes através de metáforas e, às vezes, com um leve toque de fantástico. Temas como a sexualidade, o tempo e a morte são profundamente explorados em suas obras, sendo que este último esteve ao lado do autor ao longo de toda sua trajetória: órfão ainda criança, Kawabata teve que lidar com a perda dos avós e da irmã ainda jovem. Deprimido, acabou por suicidar-se em 1972.

      Publicado pela primeira vez em 1954, "O Som da Montanha" vai nos colocar em meio aos dramas familiares dos Ogata. Shingo, o patriarca da família, é um sexagenário que está dando seus primeiros passos rumo à senilidade: sua memória está começando a desvanecer. Seu filho Shuichi está envolvido em uma relação extraconjugal e sua filha Fusako se vê presa a um casamento infeliz. Enquanto tenta lidar com os problemas entorno de sua família, Shingo encontra afago em sua nora Kikuko e nos devaneios aos quais se entrega a profundas observações da natureza. Dramas familiares, conflito de gerações, a passagem do tempo, luto, culpa e sexualidade, esses são alguns dos temas com os quais vamos nos deparar ao longo dessa leitura.


      Com uma escrita sutil e repleta de lirismo, Kawabata é daqueles autores que conseguem nos transportar para dentro da história em poucas palavras. Suas descrições da natureza são como verdadeiras aquarelas que saltam aos olhos e contrastam bem com a densidade de uma história que tem como pano de fundo uma sociedade extremamente fechada e traumatizada com a Segunda Guerra Mundial, cercada de tabus, incertezas e ainda em busca de identidade. Como se não bastasse tudo isso, a obra ainda nos permite conhecer um pouco mais da cultura japonesa, nos apresentando um pouco de sua culinária, seus costumes e suas crenças populares.

      "O Som da Montanha" é um romance altamente sensorial que vai do mais leve ao mais pesado em um estalar de dedos: em alguns momentos o livro me transmitiu uma paz de espírito que me senti como se estivesse ali no jardim da casa de Shingo, no sopé da montanha, tomando chá e ouvindo o canto dos pássaros. Em outros, me mergulhou em tamanha melancolia que me deixou a beira de uma crise existencial. Uma leitura propensa a deixar o leitor contemplativo e que tem o poder de reavivar memórias e arrependimentos, nos levando a questionar o que fizemos com o tempo que ficou pra trás e o que estamos fazendo com o agora.

      *Importante ressaltar que o livro aborda alguns temas delicados como aborto e suicídio, logo deve-se ter um cuidado maior na hora de embarcar nessa leitura.

Comentários