RESENHA: Mrs. Dalloway - Virginia Woolf


      Escritora modernista e feminista, Virginia Woolf foi uma das figuras mais importantes da literatura britânica do século XX. Nascida em 1882, no distrito londrino de Kensington, teve uma vida marcada por acontecimentos trágicos e episódios de surtos psicóticos. Perdeu a mãe quando tinha apenas 13 anos, a meia irmã aos 15, o pai aos 22 e, dois anos mais tarde, foi a vez do irmão. Iniciou sua carreira literária em 1915, com a publicação do romance "A Viagem". Vanguardista, fez uma série de experimentos no campo da literatura, onde desbravou caminho para o feminismo e foi precursora do chamado fluxo de consciência. Integrou-se ao Grupo de Bloomsbury ao lado de artistas como a irmã e pintora Vanessa Bell, o biógrafo Lytton Strachey, o crítico Roger Fry e o escritor E. M. Foster. Em 1912, casou-se com Leonard Woolf, com quem, cinco anos mais tarde, fundou a editora Hogarth Press. Infelizmente Virginia nunca se recuperou completamente dos traumas sofridos ao longo de sua vida e suicidou-se por afogamento em 1941, deixando um grande legado composto por romances, contos, ensaios, biografias, cartas e diários memoráveis.

      Publicada pela primeira vez em 1925, "Mrs. Dalloway" é uma de suas principais obras. O romance, nascido de dois contos publicados anteriormente, é figurinha carimbada nas listas de obras mais importantes e influentes da literatura mundial. Ironicamente, na época de sua primeira publicação o livro de Woolf foi duramente criticado e até mesmo acusado de simplesmente "não ser arte." A história se passa em um único dia de junho de 1923 e nos coloca a par dos preparativos para a festa de Clarissa Dalloway. Frívolo? Nem um pouco! Enquanto percorremos as ruas de Londres, somos apresentados a um verdadeiro microcosmo da geração britânica do período entreguerras. A estimada Clarissa, o veterano de guerra Septimus, o regresso Peter, a "rebelde" Sally e muitos outros, todos eles incorporam, cada um à sua maneira, diferentes faces da sociedade londrina dos anos 20. Mas não para por aí! Tomar esses personagens tão marcantes por meros arquétipos seria reduzi-los.

(Virginia Woolf)

      Com o fluxo de consciência a todo vapor, Woolf permite ao leitor penetrar no âmago da mente de todos esses personagens. A maior parte do romance se passa no campo psicológico e através de flashbacks, com personagens de meia idade evocando lembranças de uma juventude colorida e questionando as escolhas que fizeram ao longo de sua vida. Traumas, preconceitos, falso moralismo, a passagem do tempo, questões existencialistas e a busca de toda uma geração por identidade, esses são apenas alguns dos temas nos quais vamos esbarrar enquanto saltamos de uma mente à outra ao longo da narrativa. Confesso que senti um pouco de dificuldade com isso no início, o fluxo de consciência é um gênero que não estou muito acostumado e que exige certo nível de concentração (algo que anda em falta por aqui), mas, depois da "vertigem" provocada pelas páginas iniciais, fui definitivamente fisgado e já não consegui mais largar o livro.

      Afinal, sobre o que é "Mrs. Dalloway"? Difícil dizer. Tudo é uma questão de perspectiva. Olhando para Carissa, pode-se dizer que este é um romance sobre a vida, simplesmente. Olhando para Septimus,  a coisa fica mais sombria: um trágico romance pós-guerra. Talvez a protagonista seja Londres e este seja um romance histórico. Mas acho que aplicar qualquer rótulo seria diminuir a obra. Em pouco mais de duzentas páginas, Woolf percorre tantos caminhos e explora tão a fundo a consciência de seus personagens que pode-se dizer que esse é um livro sobre nada e tudo ao mesmo: é sobre a vida, mas também sobre a morte; sobre ser jovem, mas também sobre ficar velho; sobre o pós-guerra e o pré-(outra)guerra. Uma obra peculiar e muito à frente de seu tempo. Indefinível, mas instigante. Um livro nômade, que acredito que a cada releitura será entendido de uma forma diferente.

Comentários