Nascido em 1818, na região de Oriol, Ivan Turguêniev foi o primeiro dos grandes escritores russos a irromper no Ocidente. De origem aristocrática, perdeu o pai ainda na adolescência e teve uma relação conturbada com a mãe ao longo de toda sua vida. Em 1838, mudou-se para a Alemanha, onde aprofundou seus estudos em filosofia, literatura clássica e história. Nessa mesma época, começou a publicar seus primeiros poemas na revista de Púchkin: "O Contemporâneo". Ingressou no círculo filosóficos dos estudantes russos, onde se aproximou de figuras ilustres como o filósofo Bakúnin e o crítico Bielínski. Sob a influência da chamada Escola Natural, começou a escrever contos que culminaram em "Memórias de um Caçador" (1852), obra que não só cumpriu um importante papel social como desbravou caminho para a literatura russa na Europa Ocidental. Na França, se envolveu em um triângulo amoroso e veio a fazer amizade com autores como Flaubert, Zola e Daudet. Além de "Memórias de um Caçador", publicou obras memoráveis como "Diário de um Homem Supérfluo" (1850), "Ninho de Fidalgos" (1859), "Primeiro Amor" (1860) e, aquela que é considerada sua obra-prima, "Pais e Filhos" (1862). Esta última levou o autor a ser acusado de incentivar o niilismo, a polêmica foi tamanha que Turguêniev teve que deixar definitivamente a Rússia e se fixar na França, onde faleceu, nos arredores de Paris, em 1883.
Publicado pela primeira vez em 1856, também na revista "O Contemporâneo", e retocado mais tarde, em 1860, "Rúdin" é o primeiro romance de Ivan Turguêniev. Escrito em menos de dois meses durante o verão de 1855, enquanto o autor estava isolado na propriedade rural de sua família, o romance se passa no campo, onde Dária Mikháilovna, uma viúva da alta sociedade que vive em Moscou, vai passar o verão. Em torno de Dária giram copiosos personagens: o parasita Pandaliévski, o "inimigo das mulheres" Pigássov, o enigmático Liéjnev, a encantadora Aleksandra e a jovem Natália. Mas esse pacato mar social está prestes a perder sua calmaria com a chegada de Rúdin, figura erudita e idealista, culta e espirituosa, eloquente e defensora do conhecimento. Em contraste com seus ideais, Rúdin chega ao campo falando de Newton, Hegel, Schubert, Goethe e Hoffmann, mas se depara com uma sociedade extremamente engessada, ignorante e tomada de preconceitos.
Esse conflito ecoa o que viveu o próprio Turguêniev quando, ao retornar do exterior, teve a percepção do quanto a Rússia de Nicolau I estava atrasada em relação a Europa Ocidental. Mais do que autobiográfico, o personagem de Rúdin encarna toda uma geração: a do homem dos anos 40, que queria ver o progresso de sua pátria, mas se via paralisada e não conseguia colocar em prática as suas teorias. Restou a essa geração disseminar suas ideias e preparar o terreno para a geração por vir. E essa é a trajetória de Rúdin.
(Ivan Turguêniev)
Com uma escrita bonita e envolvente (a mais bonita dos russos, pra mim), Turguêniev consegue tecer suas críticas, passeando por temas sociais, políticos, filosóficos e psicológicos, sem detrimento da parte estética do romance. Com menos de duzentas páginas, a obra é de fácil e rápida leitura, e dotada de um tom melancólico. Tão gostosa de ler que corre-se o risco de passar por ela sem perceber o seu lado mais crítico, não fosse o rico posfácio e notas da tradutora Fátima Bianchi, que nos colocam dentro do contexto da obra (marca já registrada da Editora 34). O interessante (e triste) é que o drama de Rúdin pode ser facilmente trazido para o nosso contexto atual, onde temos um cenário preconceituoso, de culto à ignorância e ataque à ciência, e uma sociedade que parece querer voltar no tempo. Não há duvida de que algumas pessoas do Brasil de hoje se sentiriam em casa na Rússia do século XIX.
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