RESENHA: Frankenstein e Outras Histórias de Horror - Junji Ito


          Nascido em 1963, na província de Gifu, no Japão, Junji Ito está para o mangá assim como Stephen King está para a literatura, ou seja, é um mestre do gênero de terror contemporâneo. Inspirada em autores como Kazuo Umezu e Shinichi Koga, e com toques lovecraftianos, sua obra tem como marca registrada o tratamento do bizarro e a obsessão de personagens mentalmente perturbados. Sua arte é mundialmente conhecida por incomodar e chocar seus leitores. "Tomie", sua primeira obra, começou a ser publicada em 1987. Depois, vieram "Uzumaki", "Gyo", "Remina" e muitas outras bizarrices que desgraçaram a cabeça dos fãs ao redor do globo e que hoje já podem ser consideradas verdadeiros clássicos do horror. Em 2019, Junji Ito foi agraciado com o Prêmio Eisner por sua adaptação da obra máxima de Mary Shelley.

(Junji Ito)

          Publicado pela primeira vez em 1818, "Frankenstein" é, além de clássico absoluto do terror e da literatura gótica, um dos precursores da ficção científica. A obra, que narra a nefasta saga de Victor Frankenstein, um jovem estudante que, levado por sua ambição, resolve brincar de Deus e concede o dom da vida a uma criatura composta de restos mortais, transcendeu o campo da literatura e passou a integrar parte da cultura pop, ganhando adaptações para o cinema, a música e o teatro. Claro que os mangás não ficaram de fora dessa e, entre os anos 1994 e 1998, coube a Junji Ito a difícil tarefa de adaptá-la. Seu trabalho foi tão bem executado e aclamado pela crítica que, ao ser publicado nos EUA, acabou lhe rendendo o cobiçado prêmio máximo dos quadrinhos.



          O que sempre me chamou a atenção no romance de Shelley, e que faz dele um dos meus favoritos, são as várias camadas que a obra possui. Terror, scifi, elementos góticos e filosofia, sendo esse último o tema que mais me atrai em "Frankenstein". A questão do livre-arbítrio e da criatura versus criador me impactou bastante quando abri o livro pela primeira vez, esperando encontrar ali apenas mais uma história de terror. E, lendo o mangá, fui mais uma vez surpreendido! Pelo fato do autor ser um dos mestres do horror, esperava que, em benefício deste, a parte mais filosófica da obra fosse ficar em segundo plano, mas isso não acontece. Claro que o autor deu toda uma ênfase às passagens mais grotescas, dotando-as com seu característico e assombroso traço, mas todas as camadas da obra original estão presentes aqui, sem perda! Junji Ito conseguiu trazer para a nona arte um dos romances mais complexos e profundos da literatura mundial, sem abrir mão de nenhum de seus elementos. Não por acaso seu mangá é considerado por muitos um dos melhores trabalhos de adaptação já feitos. Eisner mais do que merecido, não é mesmo?



          Está tudo aqui: a tensão que cresce página a página conforme a ambição de Victor toma ares de loucura, os questionamentos que a criatura levanta em torno de sua existência e, claro, o choque nas cenas de horror. Junji Ito não alivia nem um pouco e, abrindo sua caixa de ferramentas, pesa a mão nas cenas de violação de túmulos, destrinchamento de cadáveres e aparições da medonha criatura. O grotesco e a repugnância tomam conta das páginas (não recomendado para os mais sensíveis!). Para aqueles que, assim como eu, apreciam a obra frankenstaniana, o mangá é um prato cheio e segue à risca os desdobramentos do romance, com exceção das últimas páginas. Sim, Junji Ito deixa sua assinatura e reserva uma surpresa até mesmo para aqueles que já leram a obra de Shelley.



          A primorosa edição do Pipoca & Nanquim, que conta com papel de alta gramatura, sobrecapa e marcador de páginas e acabamento que favorece o manuseio, segue o padrão da edição japonesa, ou seja, traz ainda uma série de contos de Toru Oshikiri, um adolescente sempre envolvido em estranhos acontecimentos e situações bizarras. São seis contos interligados que exploram temas como loucura, universos alternativos, paredes que devoram pessoas e coisas do tipo. Destaque para "Amizade por Correspondência", aquele terror clássico que deixa a gente com a dúvida: o que aconteceu aqui obra da loucura ou do sobrenatural? Fechando o volume, temos ainda quatro minicontos (acho que posso chamá-los assim) que destoam completamente do restante da obra. Mas não se apegue tanto a isso, só "Frankenstein" já vale a aquisição. E a editora já confirmou: vem mais Junji Ito por ai!


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