RESENHA: Cada Um Carregue Sua Culpa - Francesca Mannocchi


          Francesca Mannocchi é uma jornalista, escritora e diretora italiana. Esse livro é resultado de dois anos de viagens ao Iraque pós-guerra, uma terra desolada e maculada de sangue. Intercalando entre narrativas jornalísticas, relatos e entrevistas repletas de dor, medo e ira, "Cada um Carregue Sua Culpa" chega ao Brasil pelas mãos da editora Âyiné, preenchendo uma importante lacuna e dando voz às vítimas do Estado Islâmico: crianças órfãs, mulheres viúvas, homens feridos de guerra e ex-integrantes do EI, sim, porque esses também são vítimas de uma guerra que ainda não foi declarada mas que já acontece. O que me levou a lê-lo foi justamente a banalização da violência no Oriente Médio. Estamos tão acostumados a assistir ao noticiário falando de homem-bomba, carro-bomba, bomba-isso, bomba-aquilo, que parece que perdemos a capacidade de nos comover. Por quê? O que deu errado? 

(Francesca Mannocchi)

          Essa é um leitura indigesta! Mannocchi não poupa o leitor de detalhes ao relatar as atrocidades cometidas pelo EI: a depredação de mulheres, as torturas em praça pública, as execuções sumárias e a exposição de corpos como troféus para que "sirva como exemplo". Ao longo da narrativa, a autora também levanta uma importante reflexão sobre a forma que o Ocidente encontrou para combater o terrorismo: violência contra violência; e aponta as consequências da catastrófica ocupação americana que aconteceu no Iraque, em 2003, e que culminou na ascensão do EI. Através de entrevistas com crianças dispostas a se explodirem em nome de Alá, vamos entender um pouco melhor a filosofia do EI: suas crenças, motivações e as maquinações empreendidas para executar o Jihad. Por fim, ao visitar um campo de refugiados, Mannocchi questiona: o que fazer com os descendentes do EI? Em que ponto a justiça deixa de ser justiça para se tornar vingança? É realmente esse o caminho que devemos tomar para reconstruir o Iraque e sufocar o fundamentalismo exacerbado que acomete a região?


          Antes de resolver um problema é preciso entendê-lo, e isso é o que o Ocidente não vem fazendo pelo menos nos últimos vinte anos no Iraque. Em sua malfadada tentativa de "exportar a democracia", bilhões foram gastos em armas e treinamentos para abastecer diferentes grupos fundamentalistas locais, sempre com o objetivo de erradicar o rival. Mas o aliado de hoje é o inimigo de amanhã. Dessa forma a questão nunca é resolvida. Sempre que uma guerra termina, outra já está a caminho. E assim as pessoas continuam morrendo! É preciso superar o preconceito e enxergar o Iraque além do estereótipo midiático ocidental. Cessar o "atirar primeiro e perguntar depois". Compreender para ajudar. Essa é uma leitura fundamental para entender os conflitos da região e também para humanizar aqueles que sofrem (e que muitas vezes são tratados apenas como números). Não foi uma leitura fácil, em várias passagens me senti incomodado. Nesses momentos pude me dar ao luxo de simplesmente fechar o livro para dar uma respirada, mas continuava a pensar naquelas pessoas que não poderiam compartilhar do mesmo alívio, sendo essa sua realidade. "Cada Um Carregue Sua Culpa" é um livro duríssimo (e falando de guerra poderia ser diferente?), mas que desperta e nos convida a refletir sobre o mundo atual e as guerras do nosso tempo.

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