RESENHA: O Templo - Stephen Spender


          Stephen Spender foi um poeta, ensaísta e romancista inglês, nascido em 1909, na cidade de Londres. Em sua trajetória, cultivou diversas amizades no meio literário e artístico com pessoas como T. S. Eliot, Ernst Hemingway, Pablo Picasso e, principalmente, com os escritores W. H. Auden e Christopher Isherwood, com os quais teve uma estreita relação nos tempos de faculdade, em Oxford, relação essa que impactou profundamente sua vida e obra. Tendo se envolvido com homens e mulheres ao longo de sua vida, sua sexualidade sempre foi alvo de polêmica. Na década de 30, se posicionou contra a ascensão do nazismo e durante a Segunda Guerra atuou nas brigadas anti-incêndio de Londres. Chegou a flertar com os ideias comunistas mas acabou se afastando do movimento no período pós-guerra, se tornando voz ativa na luta contra qualquer tipo de censura, discriminação e asfixia social. Lecionou na University College London e, em 1983, recebeu o título de cavaleiro da Coroa inglesa. Faleceu em 1995, em sua terra natal.

(Spender)

          Inspirado no verão de 29 passado na Alemanha ao lado dos amigos Auden, Isherwood e do fotógrafo Herbert List, "O Templo" começou a ser concebido em 1929, em formato de diário. Acusado de ser pornográfico e imoral, foi recusado pelo editor e acabou por ser engavetado. Posteriormente, foi vendido a uma universidade e redescoberto por um pesquisador somente na década de 80. Recuperado o manuscrito, Spender decidiu reescrever o livro em formato de romance e assim "O Templo" foi finalmente publicado em 1988, quase sessenta anos depois de iniciado.

          Autobiografia romanceada, a obra retrata a visita de Paul, alter ego de Spender, a Alemanha. A convite do amigo Ernst, Paul deixa pra trás uma Inglaterra moralista para desfrutar a liberdade da República de Weimar. Ao desembarcar em Hamburgo, o jovem poeta explora os prazeres da carne e acaba tendo uma espécie de despertar homossexual. Na companhia dos amigos Ernst, Joachim e Willy (todos eles alter egos dos amigos de Spender), Paul passa os seus dias tomando banhos de mar e, de café em café, ingressando em acalorados debates sobre poesia, música, fotografia, arquitetura e arte em geral. Com toques de romance de formação, a obra nos permite acompanhar de perto suas descobertas do corpo e também sua formação como artista.



          O livro é dividido em duas partes com títulos bem significativos. Em "Os Filhos do Sol" temos jovens cheios de energia rolando na areia debaixo do sol escaldante, tudo é bonito e colorido, remetendo a uma efervescente fase de descobertas. Já "Rumo à Escuridão", extremamente triste e melancólica, é um total contraponto. Aqui, Paul volta à Alemanha três anos depois, mas já não encontra o mesmo país. Em vez da ensolarada Alemanha de outrora, o poeta encontra um país desolado, no auge do inverno e se vê obrigado a passar os seus dias enfurnado em um apartamento embolorado. As ruas estão tomadas pelo ódio e pela tensão: há perseguições e assassinatos à luz do dia. Pessoas dispostas a fazer de tudo para "purificar a Alemanha" começam a sair dos esgotos e a destilar seu veneno, revelando o que há de pior no ser humano. Paul e seus amigos ainda não sabiam, mas a Europa estava prestes a mergulhar na mais profunda escuridão. Hitler aguardava para entrar em cena, mas a perseguição aos judeus e aos homossexuais já começava ali.

         O livro de Spender é um sensível registro que nos permite, através de uma perspectiva mais intimista, perceber o quanto um conturbado período político é capaz de afetar nossas vidas. O nazismo não é o foco da historia contada aqui, mas é triste ver como este é capaz de transformar as relações, sejam elas amorosas ou de amizade. Até mesmo um dos amigos de Paul que abominava a política e que nem mesmo exercia seu direito de voto, acaba sofrendo consequências. É aquilo: Você pode até tentar permanecer indiferente ao que acontece à sua volta, mas aquilo que acontece à sua volta não permanecerá indiferente à você. A leitura não deixa de ser poética, embora tenha achado exageradamente descritiva em alguns momentos. Mas vale lembrar que este não é um romance em seu formato tradicional. É, no fundo, uma autobiografia. Então, não vamos encontrar muita ação nem grandes plot twists por aqui. Logo, esse não é o tipo de livro que eu indicaria para todo mundo. Ainda assim, acredito que essa seja uma leitura importante de se fazer, pois além de um belo retrato da vida de Spender, a obra também funciona como registro de uma conturbada época entre guerras.


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