RESENHA: Valis - Philip K. Dick


          Em 1974, o escritor norte-americano de ficção científica Philip K. Dick passou por um "evento psicológico" ou uma epifania (nas palavras do próprio autor). Após tomar uma dose cavalar de pentotal sódico para realizar a extração de um dente do siso, Dick chegou em casa e precisou pedir remédio para dor. Ao atender a porta e encarar a luz do sol refletida em um pingente em forma de peixe adornando o pescoço da entregadora, um raio de informação foi disparado para o seu cérebro. Dick teve uma revelação: o mundo ao redor não passava de um holograma sobreposto a Roma Antiga. Durou apenas um instante, mas foi o suficiente. Depois desse episódio, a cabeça de Dick passou a ser habitada por uma mente que falava línguas mortas e tinha lembranças de dois mil anos atrás. E não parou por aí! Dick foi avisado por essa mente de que seu filho sofria de uma rara doença e que deveria ser operado às pressas. Correram com a criança ao médico, e adivinhe? Foi descoberta uma hérnia estourada e o menino foi salvo por pouco! Loucura ou epifania, muitas outras coisas malucas aconteceram, mas acho que já deu pra entender o espírito da coisa. Por que estou contanto tudo isso? Porque é disso que se trata "Valis".

(PKD)

          Publicada originalmente em 1981, a obra é basicamente uma autobiografia romanceada do episódio que ficou conhecido como a epifania de PKD. Após a morte de uma amiga, Horselover Fat é atingido por um raio rico em informação e passa então a acreditar ter sido contatado por uma entidade superior que lhe faz revelações. Caminhando na tênue linha entre sanidade e loucura, Fat parte em busca da encarnação desse ser divino na Terra, arrastando consigo seus amigos em uma epopeia marcada por personagens lunáticos e um humor ácido. Aliás, o ácido aqui não fica só no humor. Ambientado na colorida Califórnia dos anos 70, o romance explora com fartura o consumo de drogas. Temas como psicologia, teologia e filosofia também surgem ao longo da leitura, o que faz de "Valis" um livro divertido e ao mesmo tempo inteligente.


          Essa é, sem dúvida, a obra fundamental para entender a peculiar mente de PKD (se é que isso é possível) e, consequentemente, seu trabalho mais sombrio e perturbador. Ao lê-lo, você acaba fazendo várias conexões com outros de seus romances e contos, percebendo o quanto eles foram inspirados em suas experiências e passando a compreender melhor a obra Dickiniana como um todo. Logo, esse não é um livro indicado para os leitores de primeira viagem de PKD. A leitura não é das mais fáceis e será de maior proveito para aqueles que já estão mais familiarizados com a vida e obra do autor.


          Infelizmente, a suposta epifania acabou acarretando graves consequências na vida de PKD. A maior parte de sua carreira literária se resumiu a publicações de baixo custo em pequenas editoras e as dificuldades financeiras o acompanharam até o fim de sua vida. Dias melhores viriam com as inúmeras adaptações de sua obra para o cinema, a mais famosa delas, o clássico "Blade Runner" (1982), com a qual o próprio autor esteve envolvido no projeto, mas veio a falecer pouco antes do lançamento. Depois vieram "O Vingador do Futuro" (1990), "Assassinos Cibernéticos" (1995), "Impostor" (2002), "Minority Report" (2002) e muitas outras, o que fez de PKD um dos autores mais adaptados e, consequentemente, populares do gênero.




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