RESENHA: Guernica - Bruno Loth


          Em 1937, a cidade de Guernica, no norte da Espanha, foi alvo de um ataque aéreo sem precedentes na história. O país, mergulhado em uma intensa guerra civil após a frustrada tentativa de  um golpe de Estado empreendido pela direita, se via dividido entre republicanos e nacionalistas. Sob o comando do general Franco, a frente nacionalista acreditava que a solução definitiva viria de um ataque direto contra o norte, região conhecida como País Basco. Com o apoio da Alemanha nazista e da Itália, o nefasto plano foi colocado em prática. Hitler, ávido por testar suas máquinas de guerra, designou a Legião Condor, unidade da força aérea e do exército nazista, para o ataque. Em três dias, mais de 5.500 bombas foram lançadas sobre Guernica. A pequenina cidade, carente de defesas, foi quase riscada do mapa e até hoje não se sabe ao certo o número de mortos no bombardeio. O massacre de Guernica inspirou Pablo Picasso a pintar uma de suas telas mais famosas, que leva o mesmo nome da cidade e é um dos mais importantes trabalhos artísticos a denunciar as atrocidades cometidas pelos fascistas. Reza a lenda que uma autoridade nazista, ao ver o quadro, perguntou a Picasso se havia sido ele que fez aquilo. Irônico, o artista teria respondido: "Não, foram vocês!".



          E, por sua vez, foi essa a inspiração do quadrinista francês Bruno Loth para dar a luz à "Guernica". Publicada originalmente em 2019, a obra, a primeira do autor a ser publicada no Brasil, chega pela editora L&PM e conta com tradução de Alexandre Boide. Seguindo duas linhas narrativas, aqui nós vamos acompanhar a concepção da obra de Picasso e o cotidiano dos moradores de Guernica: pai e filho em busca de um comprador para sua égua, o soldado miliciano que precisa de sapatos novos, mãe e filha que esperam pelo regresso de seu homem, a senhora que se voltou contra Deus após ver seus dois filhos combatendo como inimigos na guerra... São pessoas comuns, assim como você e eu, que tiveram suas vidas bruscamente interrompidas ou alteradas para sempre naquele fatídico dia de abril de 1937.




          Em poucas páginas, Bruno consegue nos cativar e fazer com que nos importemos com esses personagens. Mesmo já sabendo do seu trágico desfecho, a leitura não se torna menos dolorosa, sendo impossível não sentir o choque quando o descomunal ataque finalmente acontece. Também é inevitável ver tamanha violência e traçar um paralelo com os últimos acontecimentos do mundo atual, como a violência no Oriente Médio e, mais recentemente, a covarde investida russa contra civis ucranianos. Após a reconstrução de Guernica, a cidade se tornou uma espécie de símbolo da paz mundial, carregando consigo a mensagem de que "o que queremos é que nossa cidade seja o exemplo de algo que nunca mais deve acontecer." Uma esperança que é cada vez mais difícil de manter, mas que não podemos abandonar.



          Relato histórico, denúncia de um crime de guerra, parte da biografia de um dos mais célebres artistas do século XX e uma importante mensagem de alerta para as gerações futuras, tudo isso acompanhado de uma arte primorosa e pelas belas cores de Corentin Loth, "Guernica" é uma HQ que conversa muito com o mundo atual e que merece um espaço na sua estante. O volume ainda conta com um comovente relato de Luis Iriondo, "o último sobrevivente do bombardeio", e traz diversas fotos do Museu da Paz, dos abrigos antibombas e de diversos monumentos históricos da cidade, dando o real impacto e dimensão desse trágico acontecimento que deve permanecer vivo em nossas memórias para que a história não se repita.


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