RESENHA: Padre Sérgio - Liev Tolstói


          Um dos maiores escritores não só da literatura russa mas também mundial, Liev Tolstói nasceu em 1828, na propriedade rural de seus pais, em Iasnia Poliana. Ainda jovem, alistou-se no exército russo e serviu no Cáucaso. Publicou sua primeira obra, "Infância", em 1852. Teve sua vida marcada por uma crise moral, seguida de um despertar espiritual, que culminou na sua transformação em uma espécie de anarquista cristão. Suas visões filosóficas e religiosas se tornaram as bases de um movimento social que ficou conhecido como Tolstoísmo, caracterizado pela rejeição da Igreja Ortodoxa, dos métodos tradicionais de ensino, do Estado e de todas as instituições que dele se derivam.


          Autor de clássicos como "Guerra e Paz" e "Anna Kariênina", Tolstói também era mestre na arte da narrativa curta. Escrita em 1890, "Padre Sérgio" pode não compartilhar da mesma reputação de "A Morte de Ivan Ilitch" e "Felicidade Conjugal", mas compõe uma importante peça na biografia do Conde. A obra foi concebida logo após seu despertar espiritual e antecede em poucos anos sua excomunhão da Igreja ortodoxa, ocorrida em 1901. Logo, muitos dos conflitos internos do autor aparecem de forma bastante clara aqui, na figura de Stiepán Kassátski. Kassátski é um jovem ambicioso que tem como filosofia de vida ser o número um em tudo aquilo que se propõe a fazer. Com uma promissora carreira militar pela frente, a única coisa que lhe falta é o ingresso na alta sociedade. Visando essa "promoção", ele trava relações com a condessa Korotkôva, uma beldade da corte. A vida parecia sorrir para o jovem Kassátski quando, às vésperas do casamento, uma revelação abala o mundo do príncipe. Abandonando sua carreira militar, rompendo o noivado e deixando pra trás todas as promessas da nobreza, Kassátski segue para o monastério. A partir desse ponto, vamos acompanhar sua trajetória pelo mundo eclesiástico até ser ordenado padre.


          "Padre Sérgio" é uma novela bem curtinha (menos de 80 páginas) e que vai tocar em assuntos bem polêmicos, principalmente no que diz respeito a religião, que é o tema central da obra. Tolstói havia adotado então uma postura de anarquista cristão, atacando a Igreja ortodoxa e acusando-a de deturpar os ensinamentos de Deus, e tudo isso se reflete aqui. Os monólogos do protagonista eremita trazem muito da filosofia de vida que Tolstói defendia e a obra é carregada de críticas ao orgulho, a vaidade, ao materialismo e aos dogmas religiosos. É uma leitura muito rápida de se fazer, mas não desprovida de levantar debates e reflexões.

          Sendo essa uma obra que possui forte conexão com a biografia de Tolstói, a Companhia das Letras acertadamente incluiu aqui a carta resposta do Conde à excomunhão da Igreja ortodoxa, o que não só contextualiza a obra como também nos permite compreender um pouco melhor os questionamentos do autor. Com tradução de Beatriz Morabito, a edição também traz posfácios de Samuel Titan Jr. e Boris Schnaiderman. À primeira vista, a novela em si pode até parecer rudimentar, mas as leituras dos textos complementares dão a real dimensão de sua profundidade e complexidade.

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