RESENHA: Agonia de um Padre Casado

          Soldado, policial, condutor de bonde, repentista, dono de bar, padre, escritor e pai de 16 filhos, Milton Praxedes Gurgel nasceu em 1922 em São Bento do Bofete (hoje Janduís), no interior do Rio Grande do Norte. Sargento do Exército em 1964, quando estourou o Golpe Militar, foi cassado sob a acusação de espalhar mensagens subversivas e detido no navio Raul Soares, QG de torturas durante o regime militar. Enigma da literatura brasileira, seus livros venderam milhares de exemplares por redes alternativas, mas o mais próximo do "sucesso" que Dom Gurgel chegou foi quando apareceu na TV, comendo grilos no programa do Sílvio Santos, em troca de um cachê para reformar sua igreja.

          Uma personalidade no mínimo curiosa, né? Infelizmente, por não terem recebido a devida atenção editorial, muitos de seus escritos se perderam. Organizado por Rogério de Campos, o volume em questão, lançado pela editora Veneta, reúne memórias de Dom Gurgel e tem o intuito de resgatar parte dessa intrigante figura da nossa literatura. A obra traz dois livros completos: "Recordações de um soldado" e aquele que dá título ao volume; e outros textos, excertos de materiais perdidos. Dotadas ora de humor e ora de melancolia, são histórias com um tom surrealista de cordel, onde o autor conta causos da sua época de militar e os conflitos internos de um padre em crise com sua fé, entregue a bebedeiras e visitas ao cabaré.

          Mesmo após a leitura, a figura de Dom Gurgel permanece inescrutável. Sua escrita, repleta de reticências e hesitações, e marcada por erros de português que foram mantidos nesta edição, pouco entrega de sua peculiar personalidade. Diria até que, ao contrário, serve apenas para aguçar ainda mais a nossa curiosidade. Uma leitura inquietante e que me deixou reflexivo sobre quantas obras e autores da nossa literatura ficaram para trás, perdidos no tempo e na história.






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