RESENHA: Ilusões Perdidas - Honoré de Balzac


          "O que ele [Napoleão] não conseguiu concluir com a espada, eu realizarei com a pena". Assim Balzac definia a própria obra. Nascido em 1799 no município de Tours, o escritor francês publicou seus primeiros romances sob pseudônimos e exerceu diversas profissões antes de se dedicar inteiramente a escrita, entre elas a de editor, impressor, tipógrafo e jornalista. Ao longo de sua vida contraiu inúmeras dívidas e, na tentativa de saldá-las, escrevia incansavelmente. Composta por mais de noventa volumes, "A Comédia Humana", título pelo qual o autor denominava grande parte de sua obra, documenta e investiga a fundo o espírito da França pós-Napoleônica. Expoente do realismo europeu, Balzac influenciou grandes mestres como Proust, Dickens e Dostoiévski. Faleceu em Paris, aos 51 anos. O amigo Victor Hugo fez parte do cortejo fúnebre e durante a cerimônia proferiu as palavras: "Hoje nós temos um povo de preto por causa da morte de um homem de talento, uma nação em luto por um homem de gênio."

          Pedra fundamental do romance francês e da obra balzaquiana, "Ilusões Perdidas" foi publicado originalmente em três partes entre os anos de 1837 e 1843. O romance narra a trajetória de Lucien Chardon, um jovem poeta da província que almeja a glória literária. Logo fica evidente que a cidadezinha de Angoulême é pequena demais para seus anseios e nosso poeta, levado pela ambição, parte rumo a Paris apenas para descobrir que seu talento pode não ser o suficiente para triunfar no meio literário. É preciso então recorrer a outros meios... Entram em cena as falsas amizades, os amores fáceis, os vícios e todos os venenos que a alta sociedade é capaz de destilar.

          Em busca de um atalho para o sucesso, Lucien acaba se embrenhando no lamaçal que era o jornalismo francês do início do século XIX. Após a queda de Napoleão, a imprensa gozava de certa liberdade e os jornais, divididos entre liberais e monarquistas, se resumiam a uma complexa rede de intrigas baseadas em mentiras e ataques gratuitos para destruiu ou enaltecer reputações em benefício próprio. Balzac não apenas constrói um intrincado contexto histórico, que nos deixa a par de como funcionava a imprensa, a crítica e até mesmo o mercado literário parisienses, como também propõe reflexões sobre temas universais, tais como a ambição, a vaidade, a corrupção, o egoísmo e a inveja.


          Além do primor narrativo (as setecentas páginas do romance passam voando), esse é um livro que possui muitas camadas: contexto histórico, psicologia, filosofia, política e crítica social são algumas delas. Personagens construídos com maestria também marcam presença: o inventor Séchard, a bela Ève, o filósofo d'Arthez e o ardiloso Lousteau, apenas para citar alguns, encarnam os medos, anseios, sonhos e conflitos que assolavam Paris após a queda de Napoleão; a maioria deles inspirados em personalidades que de fato existiram e que faziam parte dos círculos de Balzac. Aliás, ao comparar a trajetória de Lucien com a de Balzac vamos perceber que a obra tem muito de autobiográfica.

          Temperado com sarcasmo e melancolia, "Ilusões Perdidas" é mais um daqueles clássicos que se recusam a envelhecer. As críticas direcionadas a sociedade parisiense podem ser facilmente trazidas para o nosso contexto e dão muito o que pensar. Leitura altamente recomendada para aqueles que gostam de um livro inteligente e bem escrito. Quanto a edição da Penguin, deixo o alerta de sempre: leia a introdução somente após terminar o romance, pois o texto do estudioso britânico Herbert J. Hunt está recheado de spoilers.

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