RESENHA: Não Verás País Nenhum - Ignácio Loyola de Brandão


          Nascido em 1936, na cidade de Araraquara, São Paulo, Ignácio de Loyola Brandão é um dos mais célebres e prolíficos escritores da nossa literatura. Vencedor dos prêmios Jabuti (2008) e Machado de Assis (2016), é membro da Academia Brasileira de Letras, onde ocupa atualmente a cadeira de número onze. Em 1965, publicou seu primeiro livro, "Depois do Sol". Desde então, manteve sua pena sempre ativa e compôs vasta obra literária. Um de seus principais trabalhos, "Zero", foi publicado primeiramente na Itália, por conta da censura imposta pela Ditadura Militar, e só posteriormente veio a ganhar uma edição nacional, o que acabou colaborando para que autor fosse traduzido para diversas outras línguas e tivesse sua obra propagada no estrangeiro.

          "Não Verás País Nenhum" é um romance distópico, publicado orginalmente em 1981, que vai retratar um Brasil onde os recursos naturais se esgotaram e o povo vive sob o controle do Esquema. As florestas foram devastadas, falta água e o calor é capaz de matar. O alimento não vem mais da terra, tudo é factício. Aromas de flores e de terra molhada? Disponíveis somente nas prateleiras do supermercado! Os animais foram extintos e também não se vê mais crianças. Deformados se aglomeram nos limites da cidade e dentro dela ninguém pode andar livremente, para isso há fichas de circulação. Milícias fazem a "segurança", mas não se preocupe, a intensa propaganda do governo diz que tudo está indo bem, o país está voando! Quando preciso, alteram algo nos livros de história aqui e ali e está tudo certo. Segue o jogo...

          É nesse cenário desolador que Souza e a esposa vivem, se é que dá pra chamar isso de viver. Do trabalho insignificante para a casa e o casamento insípido, Souza passa os seus dias envolto em tédio e melancolia, até que começa a se questionar: como foi que chegamos a esse ponto? Seria ele o último homem a questionar o que acontece ao redor? Drama, scifi, suspense, romance policial, o livro de Loyola é tudo isso e mais um pouco. Com uma narrativa incisiva, sufocante e recheada de ironia, o autor imagina uma realidade assustadoramente próxima ao Brasil atual. Sua distopia não perde em nada para outros clássicos do gênero, como "1984" (George Orwell), "Admirável Mundo Novo" (Aldous Huxley) e "Fahrenheit 451" (Ray Bradbury). Muito pelo contrário, ela tem um poder muito maior de chocar e ganha em verossimilhança, uma vez que se trata do nosso contexto, nosso país.


          Se tivesse que escolher uma palavra para definir essa leitura, seria "incômoda". Se você ainda não sente certo asco pelo jeitinho brasileiro de fazer as coisas, vai sentir aqui. Os mecanismos do governo para manter o povo cativo, a corrupção que permeia todas as classes, a burocracia para dificultar o que realmente precisa ser resolvido, a banalização do sexo e da violência, da vida em geral, e um povo conivente do absurdo que adora se alienar. "Povo marcado, povo feliz", como já dizia Zé Ramalho. Uma distopia que conversa diretamente com os dias atuais e com a história do nosso povo, leitura mais do que recomendada, diria até urgente e necessária.

          A primorosa edição especial de quarenta anos da editora Global conta com prefácio de Heloisa M. Starling e textos de Washington Novaes e José de Souza Martins, trazendo também um rico material extra composto de rascunhos, fac-símiles e fotos que retratam e contextualizam toda a concepção da obra. Mais que um livro, "Não Verás País Nenhum" é um documento que ajuda a contar um triste capítulo de nossa história, capítulo esse que parece não ter fim, e deve ser preservado como tal. Uma obra que deve ser lida, relida e compartilhada.








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