RESENHA: O Lobo e Outros Contos - Hermann Hesse


          Vencedor do Nobel de Literatura de 1946, Hermann Hesse foi um dos mais célebres escritores alemães do século XX. Nascido em Calw, no seio de uma família de missionários protestantes, em 1877, teve uma juventude marcada por conflitos com os pais e fugas das instituições por onde passou. Refugiado na Suíça, em 1899, publicou seus primeiros trabalhos. Em 1911, com o intuito de se aprofundar em seus estudos religiosos, empreendeu viagens para países como Índia, Indonésia e China, onde entrou em contato com a cultura hindu e foi profundamente marcado pelo misticismo oriental. Críticas ao sistema de ensino tradicional, aos dogmas religiosos e ao militarismo marcam suas obras, bem como a investigação da alma humana e a busca pela iluminação e o autoconhecimento do indivíduo em detrimento às amarras sociais. Autor de clássicos como "O Lobo da Estepe" e "O Jogo das Contas de Vidro", faleceu na Suíça, em 1962.


          Com organização e posfácio de Volker Michels, "O Lobo e Outros Contos" reúne vinte das melhores narrativas curtas de Hesse e cobre um período de 45 anos de sua produção literária. São histórias que abordam os mais variados temas, mas que têm em comum a narrativa primorosa e o poder de provocar verdadeiras crises existenciais. Elementos da natureza se fazem presentes e Hesse os descreve lindamente, seja num parque, numa floresta ou numa montanha coberta de neve, você irá se sentir completamente imerso. A infância, embebida de nostalgia, também é constantemente revisitada: a perda da inocência e do brilho nos olhos, o primeiro amor e a primeira perda rendem algumas das melhores histórias do volume. A passagem do tempo, de uma forma geral, é retratada de modo a evocar lembranças no leitor e, apesar de bela, pode causar melancolia.

          O conflito indivíduo vs sociedade também surge ao longo a leitura: almas solitárias, personagens corrompidos pelo meio em que vivem, mergulhados em conflitos internos e em busca de sentido para sua existência, ou aqueles que simplesmente não se encaixam, deslocados no mundo, protagonizam narrativas repletas de melancolia e reflexão. Ajustes que fazemos ao longo da vida para nos encaixarmos em um meio, paixões as quais não nos entregamos, sonhos que deixamos de sonhar, a morte da criança interior, tudo isso vem à tona e pode, sim, transbordar em lágrimas. São contos que falam da condição de solitário perante a sociedade e a perda da conexão com o eu interior. Sim, é um livro triste, mas escrito de forma bela, e que pode mergulhar o leitor em uma crise existencial a qualquer momento, a qualquer virada de página.


          Chama a atenção o alto nível dos contos reunidos aqui. É comum que essas coletâneas tenham altos e baixos, mas não senti isso durante a leitura. Particularmente, não teve sequer um conto que eu não tenha gostado. Claro, tiveram aqueles que me tocaram mais e outros menos, mas cada um falou comigo à sua maneira. A primorosa edição da Todavia conta com capa dura, fitilho, folhas amareladas e tradução de Sonali Bertuol. Sem dúvida, uma edição definitiva para os amantes de Hesse e a porta de entrada ideal para novos leitores. Dispostos de forma cronológica, os contos permitem ao leitor acompanhar a evolução do escritor ao longo dos anos e também sentir um gostinho de sua biografia, uma vez que muitos deles são inspirados em episódios autobiográficos. Fechando com chave de ouro, temos o belo posfácio de Michels, especialista em Hesse, que instiga a ir atrás de outras obras do autor e conhecê-lo mais a fundo.

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