RESENHA: Antes do Baile Verde - Lygia Fagundes Telles


          Um dos maiores nomes da nossa literatura, Lygia Fagundes Telles nasceu em 1918, na cidade de São Paulo. Vencedora de prêmios como o Jabuti e o Camões, a "dama da literatura brasileira", como é conhecida, integrou a Academia Brasileira de Letras e foi a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Nobel de Literatura. Sua obra é marcada por temas como a morte, o amor, a loucura, o medo, o fantástico e a análise da condição humana. Nos anos 70, se consagrou ao publicar algumas de suas mais aclamadas obras, como "Antes do Baile Verde" (1970), "As Meninas" (1973) e "Seminário dos Ratos" (1977). Lygia também foi um dos principais expoentes do pós-modernismo brasileiro. Faleceu em abril de 2022, com incríveis 103 anos, de causas naturais. Mas seu legado permanece, Lygia vive...

          "Antes do Baile Verde" era apenas um conto quando, em 1969, rendeu a Lygia o Grande Prêmio Internacional Feminino para Contos Estrangeiros de Cannes, na França. Surfando na onda, a editora, que não era boba nem nada, aproveitou a oportunidade para lançar, no ano seguinte, um compilado de contos que levava o mesmo nome. Nascia então a primeira edição deste livro. Desde então, a obra passou por diversas modificações em sua composição até ganhar uma edição definitiva, organizada e ordenada pela própria autora. Em sua versão final, o livro traz dezoito contos e cobre um período de vinte anos (1949-1969) da nata da produção literária de Lygia. São narrativas curtas que investigam o que há por baixo da fina camada de verniz que reveste o cotidiano. Relacionamentos em crise, conturbadas relações familiares, casos extraconjugais, solidão, amor, loucura e tudo o que ronda nosso dia a dia e compõe a vida, mesmo que às vezes escape da nossa percepção.


          Aqui não temos personagens heroicos ou grandiosos, os contos são protagonizados por tipos comuns, típicos brasileiros: amantes em desarmonia, músicos frustrados, prostitutas, caminhoneiros, jovens ávidos e idosos solitários. E o desenlace está no que há de mais banal! Lygia não precisa lançar mão de nenhum grande acontecimento para fazer sua mágica acontecer, basta uma noite de carnaval, um antiquário, um bordel, um cemitério, uma mesa de bar ou um cinema, em qualquer cenário pode-se desenrolar a comédia (tragédia, em alguns casos) humana. Os contos são, em sua maioria, melancólicos e propensos a provocar pequenas crises existenciais. Lygia é muito sutil e suas "garras de veludo" podem atacar a qualquer momento, às vezes num diálogo, outras no desenlace final, quando a gente já achava que ia passar impune, mas sempre, sempre sem aviso prévio.

          Já havia lido outra de suas coletâneas, "Seminário dos Ratos", e, apesar de ter gostado, confesso que não havia me arrebatado. Mas, tendo amigos que têm Lygia em alta conta, sabia que era só uma questão de encontrar o livro certo. E encontrei! Apesar de breves, as narrativas de "Antes do Baile Verde" ficam reverberando, ali, no inconsciente, e a gente se pega a todo instante relembrando, às vezes até tendo uma nova compreensão tardiamente, como se o conto nunca terminasse. Ler Lygia é realmente uma experiência única (e altamente recomendada). A edição da Companhia das Letras conta  ainda com posfácio de Antonio Dimas, uma carta de Drummond endereçada a autora e outros textos. Material que não só deixa a leitura mais imersiva, como ajuda a contextualizar a obra de Lygia Fagundes Telles dentro da nossa literatura.

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