RESENHA: A Abadia de Northanger - Jane Austen


          Um dos principais nomes da literatura inglesa, Jane Austen nasceu em 1775, em Steventon, sul da Inglaterra. Ainda jovem, começou a escrever contos e paródias de romances populares, mais para a própria diversão do que seriamente, mas já era possível ver ali alguns dos traços característicos que permeariam sua obra e a consagrariam. Publicou seis romances, sendo dois póstumos, entre eles o clássico "Orgulho e Preconceito". Faleceu jovem, aos 41 anos, e infelizmente não teve o reconhecimento que merecia quando em vida. Sua obra ganhou novo fôlego após a ascensão do movimento feminista, na década de 60, com Austen se tornando quase que um de seus expoentes, nem tanto pelo conteúdo de seus romances, mas principalmente pelo fato de ter encarado a pena em uma época em que as mulheres tinham acesso restrito aos estudos, eram privadas até mesmo do direito de propriedade e, muitas vezes, tinham que recorrer a codinomes masculinos para, por exemplo, publicar um simples livro. 

          Primeiro romance concluído por Austen, "A Abadia de Northanger" foi publicado postumamente em 1818, quase vinte anos após sua concepção. A obra narra o debute de Catherine, uma inocente jovem da zona rural, na alta sociedade de Bath. De imaginação fértil, Catherine vive com a cabeça no mundo da lua, fruto do tempo em que passa com a cara enfiada em romances góticos. Ao trocar a pacata vida no campo pela efervescência do litoral, ela se depara pela primeira vez com um mundo repleto de dança, teatro, bailes de gala, vestidos de luxo e passeios de carruagem (e também muita hipocrisia, manipulação, inveja e futilidades). É com muita ironia, e usando de ferramentas como a metalinguagem e a metaficção (no melhor estilo Sterne), que Austen constrói essa intrincada paródia, que no início tem tudo para ser apenas mais uma historinha de romance, mas não demora descobrirmos que essa é só a ponta do iceberg.


          O sarcasmo começa logo no primeiro parágrafo, quando nossa "heroína" se revela a mais verossímil e ordinária das mulheres, uma sátira ao arquétipo da mulher "de bom partido" daquela época. A autora também vai à forra quando resolve tirar sarro da literatura gótica. Mas, diferente do livro de Sterne, aqui não é o riso pelo riso. Há toda uma camada crítica por trás. A "vida nas páginas" e a "vida real" (ou, se você preferir, a fantasia e a realidade) são constantemente contrastadas, ao mesmo tempo em que se mostram intrinsecamente ligadas. Conforme Catherine vai adentrando na alta sociedade e desvendando seus meandros (perdendo sua inocência, de certa forma), a obra vai ganhando em densidade e complexidade. Com suas interseções à la Sterne, Jane traz à tona temas como o papel do leitor, do escritor e da literatura em geral, e como esta exerce influência em nossas vidas e vice-versa.

          Apesar de ser um romance relativamente curto, o livro possui muitas camadas e, com ótimos diálogos e ares de romance de formação, é possível tirar muito dele. Esse foi o meu primeiro contato com a obra de Jane Austen e gostei bastante da experiência. Claro que já havia ouvido falar sobre o seu  famoso sarcasmo, mas não estava preparado para uma acidez tão cirúrgica (principalmente pela época em que o livro foi escrito - é realmente uma obra muito à frente de seu tempo). A autora também guia a pena com maestria, o que é ainda mais impressionante quando levamos em conta o quanto ainda era jovem quando concebeu a obra, tornando o desenrolar da trama intrigante, no estilo novelão, e a leitura impossível de largar.

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