RESENHA: De Passagem - Nella Larsen


          Nascida em 1891, em Chicago, Nella Larsen foi umas das principais escritoras do movimento que ficou conhecido como Renascimento do Harlem. Além de contos, publicou dois romances: "Quicksand" e "De Passagem". Recebeu a cobiçada bolsa Guggenheim e também foi condecorada com o prêmio William E. Harmon, destinado a trabalhos notáveis de pessoas negras. Infelizmente, parou de escrever na década de 30 devido a um conturbado divórcio seguido de severas crises de depressão. Atuou como enfermeira até a sua morte, em 1964. A "redescoberta" de seus escritos, na segunda metade do século XX, reforçou seu nome como um dos expoentes do modernismo, além, é claro, de reacender a importância de temas como identidade sexual e racial na literatura.

          Clássico da Renascença do Harlem, "De Passagem" foi publicado originalmente em 1929. O romance narra o reencontro de duas amigas de infância, Irene e Clare, duas mulheres de origem negra em um EUA sob as rigorosas Leis de Jim Crow, isto é, a segregação racial. Para driblar o preconceito e poder ter acesso a lugares restritos, elas "se passam" por brancas, cada uma à sua maneira. Enquanto conversam tranquilamente e tomam chá em um hotel (onde não poderiam estar), as velhas amigas dão início a uma complexa relação, envolta de tensão, medo e desejo.


          Apesar de ser um romance curtinho (menos de 150 páginas), este é muito rico em camadas e não fica só na questão racial. Irene, por exemplo, é uma personagem muito forte e complexa. Além do estigma de ser uma negra vivendo em um estado segregacionista, ainda carrega os fardos do casamento e da maternidade, a anulação de si mesma em prol de outrem, e acaba por se revelar uma demonstração daquela força feminina de se arrumar e sorrir em público enquanto se despedaça por dentro.

          A narrativa é intensa e mesmo ambientes teoricamente tranquilos, como um simples café, deixa a gente apreensivo, com a sensação de que algo de muito ruim pode vir a acontecer a qualquer momento. Larsen é uma escritora muito sutil e que deixa muita coisa subentendida, sobretudo nos diálogos, é um livro que diz muito no não dito e é preciso estar atento para captar suas camadas mais ocultas e entender o que a autora quer passar. "De Passagem" é uma leitura que conversa muito com o nosso contexto atual. Interessante perceber como, no romance, o Brasil era visto como um refúgio para os negros norte-americanos, uma terra onde se dizia não haver preconceito. Já imaginou? É tristemente risível...

          Com tradução de Floresta, o volume ainda conta com apresentação de Bianca Santana e posfácio de Ruan Nunes Silva, textos que não apenas complementam a leitura mas destacam a importância de se falar sobre o tema. Em 2021, a obra ganhou uma adaptação pelas mãos da Netflix, dirigida por Rebecca Hall e estrelada por Tessa Thompson e Ruth Negga. Essa foi realmente uma leitura fora da caixinha pra mim, não conhecia o romance e confesso que não sabia quem havia sido Nella Larsen. Surpresas e aprendizados que parcerias com editoras nos permitem vivenciar!

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