RESENHA: Jaqueta Branca - Herman Melville

"A lei não foi feita para o capitão!"


          No fim da década de 1840, Herman Melville colecionava uma série de viagens marítimas malsucedidas e dívidas, muitas dívidas. Inspirando-se em sua mais recente aventura, isto é, o alistamento na marinha americana e os dissabores que vivenciou a bordo de um navio de guerra, decidiu escrever, em 1850, "Jaqueta Branca". O livro, romanceado, é uma espécie de manifesto em defesa dos direitos humanos daqueles que serviam a marinha americana. A obra narra a volta para casa da fragata Neversink, do Pacífico para a Costa Leste dos EUA, passando pelo temido Cabo Horn e com direito a uma longa escala no Rio de Janeiro, onde recebe a ilustre visita de D. Pedro II.

          Este é um relato nu e cru do que era a viver a bordo de um navio de guerra no século XIX. O despotismo dos capitães, a crueldade e a humilhação dos castigos impostos, a rotina de trabalho exaustiva, o sono e a alimentação irregulares, as arriscadas "cirurgias" as quais os marujos eram submetidos, a exposição ao clima inóspito, etc.. Melville não alivia em nenhum momento e deixa tudo escancarado aqui. As denúncias, baseadas em suas próprias experiências, não só configuram um fiel retrato da época como ainda conversam com temas como imperialismo, reformismo e liberdade.


          Se lembra daquelas longas passagens sobre navios e baleias em "Moby Dick"? Pois é, o mesmo acontece aqui. Melville se entrega a longas digressões e, em diversos momentos, nem parece que estamos diante de um romance, mas sim de um livro de não ficção. Mas, diferente do que acontece no romance mais famoso, "Jaqueta Branca" não prende tanto. Ao longo da narrativa quase não há desenvolvimento de personagens e reviravoltas, são vários causos sendo contados pelo alter ego de Melville, o marujo que dá título ao livro. O protagonista aqui é o próprio Nerversink e o foco são mesmo as denúncias. Junta-se a isso as longas e inúmeras notas de rodapé sobre fatos históricos e termos náuticos que a edição traz e temos como resultado uma leitura extremamente lenta e burocrática.

          Por essas e outras, não é um livro que eu recomendaria para leitores de primeira viagem. Mas, caso já tenha lido "Moby Dick", a coisa já muda de figura. Ao longo da narrativa é possível perceber alguns prenúncios do Capitão Ahab e, em meio a suas digressões, Melville às vezes se entrega a devaneios e reflexões sobre a vida, a morte e essas coisas que o mar nos faz pensar. Inclusive, o romance fecha com uma linda analogia da vida a bordo do Nerversink e a condição humana.

          Em resumo, é um livro que, se você já está acostumado com a escrita, irá gostar. Caso contrário, há grande chance de achar maçante. Melville até se permite alguns raros momentos de humor aqui e ali, o que pouco ajuda em tornar a leitura mais fluida, mas talvez a pressa em lançar o romance, por conta de sua delicada situação financeira, tenha cobrado o seu preço. É uma obra que, se melhor lapidada, poderia render uma experiência de leitura mais agradável. Como manifesto em defesa da marujada, funciona. Como romance, deixa um pouco a desejar.

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