RESENHA: 50 Contos de Machado de Assis


          Machado é daqueles autores que deixaram em mim (e acredito que em muita gente) um amargo gosto por conta das leituras obrigatórias do tempo de escola. Não sei se era a linguagem rebuscada, a forma como os livros me eram apresentados ou o meu simples desinteresse, mas o fato é que, quando mais novo, eu não gostava de Machado! Felizmente existe uma coisa chamada releitura e graças a ela o meu trauma machadiano foi curado. Anos mais tarde, reli alguns de seus romances clássicos e acabei, aos poucos, me rendendo ao autor.

          E assim chegamos a esta coletânea organizada por John Gledson, estudioso da obra machadiana e professor aposentado de estudos brasileiros pela Universidade de Liverpool. A obra faz parte da aclamada "coleção listrada" da Companhia das Letras e cobre um período de quase trinta anos da produção literária de Machado. Com clássicos como "O alienista", "O espelho", "A igreja do Diabo", "A cartomante" e "Missa do galo", o volume oferece um vasto cardápio que, disposto em ordem cronológica, nos permite acompanhar de perto a evolução do autor e conhecer as suas várias facetas.


          Machado era um mestre da narrativa curta e não precisava de muito espaço para desenvolver suas ideias. Os contos, publicados em periódicos como "Gazeta de Notícias" e "A Estação", iniciam com ótimos ganchos e conseguem prender o leitor desde as primeiras linhas. A melancolia, o humor, o mergulho na alma feminina e na psicologia humana, questões existenciais e de livre-arbítrio, casamentos em crise e relações extraconjugais, as afiadas críticas sociais e a ironia típica machadiana, tudo isso se faz presente aqui. Machado escreve ora em primeira, ora em terceira pessoa, outras vezes constrói a trama somente com diálogos, lança mão de fábulas, sátiras, versos bíblicos e personagens históricos... Enfim, seus recursos parecem inesgotáveis!

          O elemento do narrador não confiável, peça chave na obra de Machado, também se faz presente em muitos momentos e deixa o leitor com a pulga atrás da orelha, dando aquele tempero a mais na narrativa. Alguns contos também trazem finais abertos e convidam o leitor a tirar as suas próprias conclusões. Felizmente há muito material sobre a obra machadiana disponível e isso nos permite perceber o quanto suas histórias são abertas a diferentes interpretações. Toda essa versatilidade e poder narrativo fazem com que a leitura se torne mais dinâmica e nada cansativa. Muito pelo contrário, terminado um conto já ficamos com vontade de partir para o próximo.


          O volume em questão acaba configurando uma ótima porta de entrada para aqueles que buscam se afeiçoar a obra machadiana. Os contos são muito inteligentes e bem construídos, alguns soam muito à frente de seu tempo e têm aquele poder de ficar ressoando aqui dentro, coisa que poucos contistas conseguem fazer. Claro que alguns contos se destacam, mas para uma coletânea tão abrangente é de se espantar que nenhum deles soe esquecível, o que é até comum nesse tipo de antologia.

          A edição é simples e pode-se dizer econômica. O livro não possui orelhas, mas é agradável de se ler. Traz ainda uma breve introdução do organizador e notas de rodapé que ajudam na contextualização quando preciso. Enfim, é uma edição acessível que traz um bom número de contos, bem diferentes entre si, e foca no que mais importa: a experiência de leitura.

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