RESENHA: O Tartufo / Dom Juan / O Doente Imaginário - Molière


          Sempre achei o humor uma ferramenta formidável para tecer críticas, sejam elas sociais, políticas ou o que for. E com o teatro não é diferente. Mestre da comédia satírica, Molière foi um dos mais influentes dramaturgos do século XVII. Suas peças, inúmeras vezes censuradas, expunham o ridículo da aristocracia francesa e do clero, que eram os seus alvos prediletos. Através do riso, suas representações conquistaram as plateias e também uma extensa lista de inimigos. Lançado pela editora UNESP em 2022, o volume em questão integra a coleção Clássicos da Literatura UNESP e reúne três peças deliciosamente cômicas encenadas pela primeira vez entre 1664 e 1673.

          Na primeira delas, "O Tartufo", vamos acompanhar a chegada de um hóspede, devoto fervoroso, ao seio da família de Orgon. Aos poucos, Tartufo vai se revelando um charlatão de primeira classe. Usando o nome de Deus para justificar os seus atos, se aproveita da ingenuidade alheia e faz da vida dos familiares um verdadeiro inferno. A peça levanta questões como a hipocrisia religiosa e a manipulação através da fé. Em seguida temos "Dom Juan". Aqui, Molière faz uma releitura do degenerado, ateu, egoísta e mulherengo personagem. Com direito a duelos de espada, doses de drama e nuances de erotismo, a trama propõe uma reflexão sobre a falsidade das relações.


          O livro fecha com o clássico "O Doente Imaginário", comédia em três atos que nos apresenta o velho e avarento Argan. Hipocondríaco até os ossos, ele dirige sua vida (e a de todos ao seu redor) em torno de enfermidades das quais NÃO sofre. Seu mais novo capricho é casar a filha mais velha com um médico, para que tenha acesso facilitado a consultas, receitas, exames, etc. Tudo isso enquanto é ludibriado por doutores fajutos que fazem as recomendações mais absurdas. Uma curiosidade é que, enquanto encenava essa peça, Molière sofreu de fortes convulsões e viveu seus últimos momentos justamente no papel do "doente".

          Essa foi a minha primeira experiência com a comédia enquanto gênero teatral e me cativou bastante, proporcionando momentos de leveza e reflexão. O que mais chama a atenção no teatro de Molière é sua atemporalidade. Quatro séculos depois, suas peças permanecem atuais, com personagens caricaturescos que podem ser facilmente assimilados dentro do nosso contexto. A leitura, claro, é divertidíssima. A obra não apenas manteve afiadas suas críticas, como conservou seu poder de fazer rir. Com isso, temos aqui uma leitura altamente agradável, bem-humorada e sagaz. A edição da UNESP conta com tradução e notas de Jorge Coli. Vale destacar também o prefácio de "O Tartufo", onde o autor se defende esplendidamente das censuras e ataques que sofria.

Comentários