CITAÇÕES: O Beijo e Outras Histórias - A. P. Tchekhov



📖 "Acontece aparecerem num repente cegonhas no horizonte, a brisa ligeira traz os seus gritos entre tristonhos e eufóricos, e, um instante depois, por mais avidamente que fixemos a vista nos longes azuis, não vemos um ponto, não ouvimos um som sequer: assim também as pessoas, com os seus semblantes, as suas falas, aparecem ligeiramente na vida e submergem em nosso passado, não deixando mais que as pegadas insignificantes da memória."


📖 "E para que impedir os homens de morrer, se a morte constitui o fim normal e legítimo de cada um? [...] Mas, se se considera como objetivo da medicina o alívio do sofrimento, surge sem que se queira, a pergunta: para que aliviá-lo? Em primeiro lugar, dizem que os sofrimentos conduzem o homem à perfeição e, em segundo, se a humanidade aprender realmente a aliviar os seus sofrimentos por meio de gotas e pílulas, há de abandonar completamente a religião e a filosofia, nas quais até agora encontrou não só uma defesa contra todas as desgraças, mas até felicidade. Antes de morrer, Púchkin sofreu dores terríveis, o coitado do Heine passou alguns anos deitado, com paralisia; por que então não deixar sofrer algum Andréi Iefímitch ou Matriona Sávichna, cuja vida não tem sentido e seria completamente vazia, assemelhando-se à vida de uma ameba, se não fosse o sofrimento?"


📖 "A inteligência traça uma fronteira nítida entre o animal e o homem, lembra a natureza divina do segundo e, de certo modo, substitui para ele a imortalidade, que não existe. Por conseguinte, a razão constitui a única fonte possível do prazer. Mas nós não vemos, não sentimos junto a nós a razão: quer dizer que estamos privados do prazer. É verdade, nós temos livros, mas isso não é de modo algum o mesmo que uma conversa viva, que o trato humano. Se me permite fazer uma comparação um tanto infeliz, os livros são as notas de música, e a conversa, o canto."


📖 "A vida é uma triste armadilha. Quando um homem de pensamento alcança a idade viril e atinge uma consciência lúcida, ele se sente involuntariamente como que apanhado numa armadilha, da qual não há saída. De fato, contra a sua vontade, ele é chamado por certas casualidades do não-ser para a vida... Para quê? Ele quer conhecer o sentido e a finalidade da sua existência, e não lhe dizem nada, ou então dizem bobagens; ele bate à porta, e ninguém lhe abre; a morte chega, e é também contra a sua vontade. Pois bem, assim como na prisão os homens ligados pelo infortúnio comum sentem-se aliviados quando se reúnem, assim também na vida não se percebe a armadilha, quando as pessoas que tendem para a análise e as generalizações reúnem-se e passam o tempo na troca de ideias livres, altivas. Neste sentido, a inteligência constitui um prazer insubstituível."


📖 "Para que existem os centros cerebrais, as circunvoluções, para que a visão, a fala, a autoconsciência, o gênio, se tudo isto está destinado a ir para debaixo da terra e, por fim, esfriar junto com a crosta terrestre e depois, durante milhões de anos, girar sem sentido e sem um objetivo, com a Terra, ao redor do Sol? Para esfriar e depois girar, é de todo desnecessário retirar do nada o homem, com a sua inteligência elevada, quase divina, e depois, como que por zombaria, transformá-lo em barro."


📖 "O tecido orgânico, se é capaz de vida, deve reagir a toda excitação. E eu reajo! Respondo à dor com gritos e lágrimas, à infâmia, com a indignação, à ignomínia, com o asco. A meu ver, isso é que se chama realmente vida. Quanto mais baixo é um organismo, tanto menos sensível, e tanto mais fracamente responde à excitação, e quanto mais elevado, tanto mais receptiva e energicamente reage à realidade. [...] A doutrina que prega indiferença à riqueza, às comodidades da vida, o desprezo pelos sofrimentos e pela morte, é de todo incompreensível para a imensa maioria, pois esta jamais conheceu a riqueza nem aquelas comodidades; e desprezar os sofrimentos significaria para ela desprezar a própria vida, pois toda a essência da vida humana consiste em sensações de fome, frio, ofensas, privações e um medo hamletiano da morte. Nessas sensações está a vida inteira: pode-se senti-la como um peso, odiá-la, mas não desprezar."


📖 "Maldita vida! Há uma sensação de amargor e de despeito, bem que esta vida não vai terminar com uma recompensa pelos sofrimentos, nem com uma apoteose, como numa ópera, mas com a morte..."


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