RESENHA: Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister - Goethe


          Concebido em um momento decisivo da história mundial (em meio a Revolução Francesa), "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister" levou dez anos para ser redigido e teve sua publicação finalizada em 1796. Peça fundamental da obra goethiana e da literatura alemã, o romance inaugura o Bildungsroman, gênero que conhecemos hoje como romance de formação, no qual vamos acompanhar o processo de amadurecimento psicológico, espiritual, social ou político de um protagonista através dos anos. Importante destacar que até o momento de sua publicação o romance alemão ainda buscava seu lugar ao sol. Ao contrário do que acontecia nas literaturas francesa e britânica, o desprendimento total da poesia e do drama, sua emancipação como gênero, ainda não havia se concluído na Alemanha. A obra é então um dos principais responsáveis por colocar o romance alemão de forma definitiva no mapa da literatura mundial.

          Aqui, nós iremos acompanhar o processo de amadurecimento e formação do jovem Wilhelm Meister em um período de aproximadamente dez anos de sua vida (dos 20 aos 30, por aí?). De origem burguesa e diante de uma promissora carreira no comércio seguindo os passos do pai, nosso protagonista acredita que só através da arte conseguirá atingir o pleno desenvolvimento de suas faculdades. Para isso, ele abandona os negócios da família e decide se dedicar inteiramente à sua arte, integrando-se a uma trupe de teatro itinerante. O teatro desenvolve papel crucial no romance, com direito até mesmo a encenações de Hamlet e acalorados debates acerca de Shakespeare (na época, a obra do bardo chegava tardiamente à Alemanha e teria forte impacto em Goethe, como não poderia ser diferente). Mas, nosso jovem tem uma visão um tanto romântica, e até mesmo ilusória, dos palcos (e da vida) e logo suas convicções começam a ser postas à prova.

          Ao longo de sua jornada, estranhos personagens surgem aqui e ali e soltam comentários enigmáticos, pra não dizer suspeitos. São os integrantes da Torre, uma sociedade secreta que interfere nos desígnios de seus escolhidos. Essa sociedade, que guarda semelhanças com a Maçonaria, nada mais é que a personificação da filosofia goethiana, ou seja, a voz por trás de seus integrantes é puramente a voz do autor, expressando sua concepção de mundo. Não por acaso, esta é considerada a peça fundamental para entender Goethe e, segundo alguns estudiosos, até mesmo os Faustos I e II podem ser melhor compreendidos se lidos após "Wilhelm Meister". E assim, em meio a personagens memoráveis e diálogos bem construídos, somos guiados por um labirinto de acontecimentos e estranhas coincidências que irá desembocar no naufrágio dos planos teatrais deste jovem e no seu despertar para uma visão mais realista da vida.

          Em suma, é um livro que trata da formação do ser humano em dois aspectos: um intimista (mais personalista, que diz respeito àquilo que trazemos no coração e à realização de nossos desejos mais pessoais) e outro exterior (mais amplo e que visa a evolução do homem em seu meio, levando em conta o contexto político e social em que vive, almejando uma espécie de harmonização com o todo e subordinando-se à instrução dos mais sábios, sem abrir mão, contudo, de suas inclinações); sendo esse segundo aspecto defendido pela Torre, e portanto, por Goethe. Esses dois conceitos estarão em conflito ao longo de toda a narrativa e desempenharão papel fundamental no processo de amadurecimento do nosso protagonista. Além deste, outros contrastes surgirão ao longo da leitura: arte e comércio, burguesia e nobreza, livre arbítrio e destino, emoção e razão, teoria e prática.


          Quanto a experiência de leitura em si, confesso que foi mais tranquila do que imaginava. Claro, é um livro do século XVIII e tem lá suas 600 páginas, exigirá um certo fôlego, mas nada além disso. É uma obra densa, embora fácil de ser lida. A tradução de Nicolino Simone Neto não traz uma linguagem muito rebuscada e as notas servem de grande auxílio. A edição da 34 traz ainda apresentação de Marcus Vinicius Mazzari e posfácio de Georg Lukács. Como complemento, fui atrás das aulas do professor José Monir Nasser, disponíveis no YouTube e Spotify, fica aí a indicação para quem quiser se aprofundar. Por fim, é o tipo de leitura recompensadora, que fica ecoando em nós e vai crescendo ainda mais conforme é digerida. Uma jornada que não passará batida ao leitor, afinal, quem nunca se perguntou em algum momento da vida: "qual é o meu lugar no mundo?"

Comentários

  1. Que livro de apoio é este que possuí informações sobre o autor?

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    1. É o "501 Grandes Escritores", de Julian Patrick. Traz informações bem básicas, mas não deixa de ser interessante!

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