CITAÇÕES: Vida e Destino - Vassili Grossman



📖 "Eis o homem: ele respira, ele pensa, ele chora, mas aquele tempo particular, único, pertencente apenas a ele, se foi, sumiu, passou. O mais difícil é ser um enteado do tempo. Não há sorte mais dura que a do enteado, vivendo em um tempo que não é o seu. Os enteados do tempo são facilmente reconhecíveis: nas seções de pessoal, nos comitês partidários, nos departamentos políticos do Exército, nas redações, na rua... O tempo só ama aqueles que ele gerou: seus filhos, seus heróis, seus trabalhadores. Nunca, nunca ele vai amar os filhos dos tempos passados, como as mulheres não amam os heróis dos tempos passados, e as madrastas não amam os filhos que não são seus. Assim é o tempo: tudo passa, mas ele fica. Tudo fica, mas só o tempo passa. Como o tempo passa ligeiro e silencioso. Ontem mesmo você era seguro, alegre, forte: um filho do tempo. Mas hoje veio outro tempo e você ainda não entendeu."


📖 "O fascismo e o ser humano não têm como coexistir. Quando o fascismo triunfa, o ser humano para de existir, restando apenas criaturas de aspecto humano que sofreram modificações internas. Mas quando triunfa o ser humano, dotado de liberdade, discernimento e bondade, o fascismo perece, e os que haviam sido subjugados voltam a ser gente."


📖 "Uma alma pode sofrer por muito tempo, anos e anos, até décadas, antes que lentamente, pedra por pedra, construa a sua sepultura, chegando por si própria ao sentimento da perda eterna, e curvando-se à força da realidade."


📖 "Se não podemos viver como revolucionários, então morramos, porque viver assim é pior."


📖 "O mundo vai se afogar em sangue no dia em que o fascismo estiver inteiramente seguro de seu triunfo definitivo. Se o fascismo ficar sem inimigos armados na terra, os carrascos, assassinos de crianças, mulheres e velhos, não vão conhecer limites. Pois o maior inimigo do fascismo é o ser humano."


📖 "Diante do abate em massa de pessoas, o ódio sanguinário e a vontade de aniquilação de velhos, crianças e mulheres não tomam conta da população logo de cara. Por isso é normalmente indispensável uma campanha prévia. Aqui o instinto de autopreservação é insuficiente, aqui é indispensável despertar na população a repugnância e o ódio. Exatamente nessa atmosfera de repugnância e ódio foi preparado e levado a cabo o extermínio dos judeus ucranianos e bielorrussos. Em outro tempo, nessa mesma terra, mobilizando e insuflando o furor das massas, Stálin fizera campanha pelo extermínio dos cúlaques e dos degenerados agentes diversionistas trotskistas-bukharinistas. A experiência mostra que a maior parte da população, nessas campanhas, acata obedientemente, como hipnotizada, todas as ordens das autoridades. Na massa da população existe uma minoria que cria a atmosfera da campanha: sanguinários que se alegram e regozijam com a desgraça alheia, idiotas ideológicos ou interessados em ajustes de contas pessoais, no saque de bens dos apartamentos, nas aberturas de vagas. [...] Contudo, a submissão das massas é incontestável! O que isso revela? Um novo traço surgido repentinamente na natureza humana? Não: essa submissão fala de uma força nova e assustadora influenciando as pessoas. A força desmedida dos sistemas sociais totalitários foi capaz de paralisar os espíritos humanos em continentes inteiros. [...] O desejo de autopreservação se exprime em conformidade com o instinto e a consciência. Em auxílio do instinto veio a força hipnótica de ideias universais. Elas apelam a quaisquer sacrifícios para a realização de um bem supremo: a grandeza futura da pátria, a felicidade da humanidade, de uma nação, de uma classe, o progresso mundial. [...] A força do Estado totalitário é tão grande que deixou de ser um meio, convertendo-se em objeto de admiração e êxtase místico, religioso."


📖 "A aspiração à liberdade é inerente ao homem, e indestrutível. Ela pode ter sido esmagada, mas continua viva. O homem transformado em escravo permanece escravo pelo destino, mas não por sua própria natureza. A aspiração do homem à liberdade é indestrutível e pode ser reprimida, mas não exterminada. O totalitarismo não pode renunciar à violência. Renunciando à violência, o totalitarismo perece. Eterna, ininterrupta, aberta ou mascarada, a violência desmedida é a base do totalitarismo. O homem não renuncia à liberdade de boa vontade. Essa conclusão é a luz do nosso tempo, a luz do futuro."


📖 "A maioria das pessoas que vivem na Terra não se dá o trabalho de definir o 'bem'. No que consiste o bem? O bem para quem? O bem de quem? Existe um bem comum, aplicável a todos, a todas as tribos, a todas as condições de vida? Ou o meu bem é o seu mal, e o bem do meu povo é o mal do seu povo? O bem é eterno e imutável, ou o bem de ontem se torna o vício de hoje, enquanto o mal de ontem é o bem de hoje? [...] Será que o homem, ao longo dos milênios, evoluiu em sua compreensão do bem? [...] Noto que o surgimento sucessivo de milhares de noções moral-filosóficas dos guias da humanidade leva à redução do conceito de bem. A noção cristã, separada da budista por cinco séculos, reduziu o mundo dos vivos aos quais o bem é aplicável. Não todos os seres vivos, apenas os seres humanos! O bem dos primeiros cristãos, que era o bem de todas as pessoas, tornou-se o bem só dos cristãos, e ao lado havia o bem dos muçulmanos e o bem dos judeus. Mas passaram-se os séculos, e o bem dos cristãos se desfez entre o bem dos católicos, o dos protestantes e o bem dos ortodoxos. E o bem dos ortodoxos se dividiu entre o bem dos velhos e dos novos crentes. E ao lado havia o bem dos ricos e o bem dos pobres, e logo nasceu o bem dos amarelos, negros, brancos. E fragmentando-se cada vez mais nascia o bem dos círculos, das seitas, raças, classes, e ninguém que estivesse fora do círculo fechado fazia parte do grupo do bem. E as pessoas perceberam que muito sangue fora derramado por este bem pequeno e funesto em nome da luta deste bem contra todos os outros considerados pequenos e maus. E às vezes o próprio conceito deste bem se tornava um flagelo da vida, um mal maior do que o mal. Um bem desses é uma casca vazia, da qual caiu e se perdeu semente sagrada. Quem vai devolver às pessoas a semente perdida?"


📖 "O destino conduz o homem, mas o homem vai porque quer, e é livre para não querer. O destino conduz o homem, ele se converte num instrumento das forças de aniquilação, mas ele sabe que é do seu interesse concordar com isso. Ele sabe disso, e vai atrás de seus prêmios; o terrível destino e o homem têm objetivos diferentes, mas o seu caminho é o mesmo. Não será o juiz celestial, imaculado e misericordioso, nem o sábio juiz supremo do Estado, orientado em prol do Estado e da sociedade, nem um santo, nem um justo, não serão eles a pronunciar o veredito, mas sim um homem miserável, esmagado pelo fascismo, um homem imundo e pecador que experimentou o poder horrendo do Estado totalitário e que caiu, se inclinou, intimidou-se e se submeteu. Ele dirá: 'Sim, existem culpados neste mundo terrível! Eu também sou culpado!'"


📖 "A morte! Tornara-se familiar, sociável, chegava sem cerimônia nas pessoas, nos pátios, nas oficinas, encontrava uma dona de casa no mercado e a levava junto com o saco de batatas, interferia na brincadeira das crianças, espiava o ateliê em que os costureiros, cantarolando, corriam para terminar o sobretudo da mulher do comissário, ficava na fila do pão, sentava-se junto à velha que cerzia meias... A morte se ocupava de seus afazeres cotidianos, e as pessoas, dos delas. Às vezes deixava alguém terminar de fumar, de comer, às vezes pegava a pessoa de surpresa, com intimidade, rudemente, com uma gargalhada estúpida e um tapa nas costas. As pessoas pareciam finalmente ter começado a entendê-la; ela lhes revelava seu caráter corriqueiro e sua simplicidade infantil. Já era uma travessia muito fácil, como a de um regato minúsculo no qual colocam tábuas de madeira entre uma margem com isbás fumegar e uma outra, com prados vazios. Cinco, seis passos, e é tudo! Do que, então, ter medo?"


📖 "Quando uma pessoa morre, ela passa do mundo da liberdade para o reino da escravidão. A vida é a liberdade, e a morte é a aniquilação gradual da liberdade; primeiro a consciência se enfraquece, depois obscurece; os processos vitais do organismo cuja consciência se extinguiu ainda continuam por algum tempo. - a circulação, a respiração, o metabolismo. Mas trata-se de um recuo inevitável na direção da escravidão: a consciência se apagou, a chama da liberdade se apagou. Extinguiram-se as estrelas no céu da noite, a Via Láctea desapareceu, o sol se apagou, apagaram-se Vênus, Marte, Júpiter, morreram milhões de folhas e morreu também o vento, as flores perderam a cor e o aroma, sumiu o pão, sumiram a água, o frio e o calor do ar. O universo que existia em uma pessoa deixou de existir. Esse universo tinha uma assombrosa semelhança com aquele, o único, que existe independentemente das pessoas. Mas esse universo era sobretudo assombroso porque tinha qualquer coisa que distinguia o rumor de seus oceanos, o aroma de suas flores, o murmúrio de suas folhas, os matizes de seus granitos, a tristeza de seus campos de outono, de cada universo que existiu e existe nas pessoas, e daquele que existe eternamente fora das pessoas. No caráter irrepetível e único da alma de uma vida isolada consiste a liberdade. O reflexo do universo na consciência do homem constitui o fundamento da força humana, mas a felicidade, a liberdade, a mais elevada ideia de vida, só começa quando o homem existe como um mundo impossível de ser repetido na eternidade dos tempos. Só então ele experimenta a alegria da liberdade e da bondade, encontrando nos outros o que encontrou em si mesmo."


📖 "Stalingrado e a ofensiva de Stalingrado contribuíram para criar uma nova consciência no Exército e na população. O povo soviético, russo, começou a entender a si mesmo de outra forma, e a se relacionar de outro modo com pessoas de nacionalidades diferentes. A história da Rússia começou a ser percebida como a história da glória russa, não como a história dos sofrimentos e das humilhações dos camponeses e dos operários russos. De elemento formal, o nacional se converteu em conteúdo, tornando-se um novo fundamento para a compreensão do mundo [...] A reinterpretação dos fatos da guerra, a tomada de consciência da força das armas russas e do Estado, constituíam parte de um processo importante, longo e amplo. Tal processo começara muito antes da guerra, embora tenha ocorrido principalmente não no consciente do povo, mas no subconsciente. Três acontecimentos grandiosos formaram a pedra angular dessa nova interpretação da vida e das relações humanas: a coletivização do campo, a industrialização e o ano de 1937 [...] Tais acontecimentos, encabeçados por Stálin, assinalavam o triunfo econômico e político dos construtores do novo Estado soviético, do socialismo em um só país. Tais acontecimentos constituíam o resultado lógico da Revolução de Outubro [...] A guerra acelerou o processo de reinterpretação da realidade latente desde os tempos pré-guerra, acelerou a manifestação da consciência nacional; a palavra "russo" voltou a ter conteúdo vivo. Inicialmente, na época da retirada, essa palavra estava majoritariamente associada a atributos negativos: o atraso russo, a bagunça, a falta russa de estradas, o fatalismo russo... Porém, uma vez nascida, a consciência nacional apenas esperava o dia de uma comemoração militar [...] A vida da potência soviética relacionou o despertar da consciência nacional com as tarefas colocadas diante do Estado em sua vida no pós-guerra: sua luta pela ideia de soberania nacional e a afirmação do soviético, do russo, em todos os terrenos da vida. Nenhuma dessas tarefas surgiu de repente durante e depois da guerra; haviam aparecido antes da guerra, quando os acontecimentos no campo, a criação de uma indústria pesada nacional e a chegada de novos quadros assinalaram o triunfo do regime batizado por Stálin de socialismo em um só país [...] E justamente na época da reviravolta de Stalingrado, na época em que a chama de Stalingrado era o único sinal de liberdade no reino das trevas, abriu-se esse processo de reinterpretação. A lógica do desenvolvimento resultou em que a guerra do povo, que alcançou seu apogeu na época da defesa de Stalingrado, justamente nesse período, de Stalingrado, desse a Stálin a possibilidade de declarar abertamente a ideologia do nacionalismo de Estado."


📖 "Em nossa época, porém, os alemães matam velhos e crianças judias como cães raivosos, e nós tivemos 1937 e a coletivização total, com a deportação de milhões de camponeses infelizes, fome e canibalismo... Sabe, antes tudo me parecia simples e claro. Porém, depois de todas as perdas horríveis e desgraças, tudo se tornou complicado, confuso. O homem vai olhar para Deus de cima para baixo, mas também não vai olhar de cima para baixo para o Diabo, pois não o superou? O senhor diz que a vida é liberdade. Mas as pessoas nos campos de prisioneiros têm a mesma opinião? Essa vida poderosa, espalhada no universo, não está se convertendo na construtora de uma escravidão mais horrenda que a escravidão da matéria inanimada da qual o senhor falou? Pois me diga: esse homem do futuro vai superar Cristo em sua bondade? Isso é o principal! Diga-me, o que vai dar ao mundo essa criatura poderosa, onipresente e onisciente, se ela conservar essa nossa presunção e esse egoísmo zoológico atual, de classe, de raça, de Estado ou individual? Então me diga se o senhor acredita na evolução da bondade, da moral, da clemência, e se o homem é capaz de tal evolução."


📖 "Você se comportou de acordo com a sua consciência. Acredite, é a melhor coisa que foi dada ao homem. Não sei o que a vida vai lhe trazer, mas estou seguro de que hoje se comportou de acordo com a sua consciência; nossa maior desgraça é não vivermos de acordo com a nossa consciência. Não dizemos o que pensamos. Sentimos uma coisa e fazemos outra. Lembre-se do que Tolstói disse sobre a pena de morte: "Não posso me calar!" Mas nós nos calamos em 1937, quando executaram milhares de inocentes. E os que se calaram foram os melhores! Pois ainda houve aprovação ruidosa. Calamo-nos na época dos horrores da coletivização geral. E também acho que falamos muito cedo em socialismo: ele não consiste apenas em indústria pesada. Antes de tudo, ele consiste no direito à consciência. Privar o ser humano do direito à consciência é um horror. E se a pessoa encontra forças para agir de acordo com sua consciência, sente um enorme afluxo de felicidade. Estou feliz por ter se comportado de acordo com a sua consciência."


📖 "Olhando para as ruínas de sua casa, admirando o céu primaveril mesmo sem saber por que o admirava, de pé se perguntava por que o futuro dos entes queridos era tão obscuro, por que havia tanto erro em suas vidas, sem reparar que essa incerteza, essa neblina, essa desgraça e essa confusão traziam a resposta, a clareza e a esperança, e entendia com toda a sua alma o sentido da vida que coubera a ela e aos seus, e que, embora nenhum deles pudesse dizer o que os aguardava, e embora soubessem que em tempos terríveis o homem não forja sua própria felicidade, que apenas o destino tem o direito de recompensar e castigar, alçar à glória e mergulhar na miséria, e reduzir um homem ao pó do campo de prisioneiros, nem o destino do mundo, nem o fado da história, nem o fado da ira do Estado, nem a glória nem a infâmia da batalha modificam aqueles que se chamam seres humanos. Se o que os esperava era a glória pelo trabalho ou a solidão, o desespero e a miséria, os campos e a execução, viveriam como seres humanos e morreriam como seres humanos, e aqueles que haviam perecido tinham conseguido morrer como seres humanos, e aí residia sua amarga e eterna vitória sobre tudo de majestoso e desumano que houve e haverá no mundo, que veio e que se foi."


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