RESENHA: Contos Ordinários de uma Sociedade Resignada - Ersin Karabulut


          Minha primeira experiência com o quadrinho turco e também com o catálogo da Comix Zone. "Contos Ordinários de uma Sociedade Resignada" é uma coletânea de quinze narrativas curtas publicada originalmente em 2018, na França. A capa já dá o tom. Confesso que em um primeiro olhar fiquei com a ligeira impressão de que as pessoas estavam simplesmente flutuando, mas logo me dei conta de que se tratava de um suicídio em massa. Perturbador, não é? E é bem esse o pano de fundo da HQ: uma sociedade que entregou os pontos. Aqui veremos pessoas paralisadas pelo medo, consumidas pela depressão, corroídas pelo ódio e completamente apáticas perante a insanidade do mundo moderno.

          São histórias satíricas com teor de fábula sombria que passeiam pelos mais variados gêneros (drama, scifi, horror), sempre partindo do bizarro (doença que fala, canibalismo, lavagem cerebral, legumes que amam, acinzentamento de pessoas, etc.) para desembocar em uma afiada critica social. Os contos são minimalistas - de 2 a 6 páginas - mas dizem muito! As angústias e as ansiedades, o medo, o ódio, a ganância e a falta de empatia dos personagens são facilmente reconhecidos dentro da nossa sociedade, ou seja, são tramas que, apesar de trilhar o caminho do fantástico, se assemelham de forma assustadora com a realidade. A atmosfera é pessimista e desoladora, desesperança é o que melhor define o quadrinho. Durante a leitura, a sensação é a de estarmos a olhar para uma imagem e achá-la absurda, ridícula e repulsiva, para em seguida nos darmos conta de que estávamos diante de um mero espelho da nossa sociedade.


          Sabe "Fahrenheit 451"? Lá, Bradbury também trabalha com a ideia de uma sociedade resignada. A intervenção do governo acontece, mas a repressão parte também da própria sociedade que abriu mão de seus valores, cultuou a ignorância e banalizou a violência. No fim, talvez nem os bombeiros fossem mais necessários ali, pois a própria sociedade já praticava a autovigilância. O quadrinho de Karabulut conversa muito com esse contexto. Mildred, a esposa do bombeiro, poderia facilmente figurar entre as páginas de "Contos Ordinários". Em ambas as obras fica claro o alerta: o primeiro passo para a opressão é a resignação.

          É uma leitura que eu recomendaria para todos? Não sei. Os contos não entregam as coisas de mão beijada e deixam muito espaço para interpretação. A meu ver isso é um ponto positivo, mas sei que não funciona para todo mundo. Também não acho que seja o tipo de quadrinho ideal pra pegar e ler numa sentada, as histórias demandam um tempo de "digestão". Do contrário, elas podem parecer nonsense. O humor ácido de Karabulut talvez também não seja para todos - o tom das histórias não é nada poético, muito pelo contrário, é de um grotesco que às vezes chega a descambar para a própria arte. Mas, fazer o quê? Se a nossa sociedade também o é...








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