RESENHA: O Beijo e Outras Histórias - A. P. Tchekhov


          Se em "A Dama do Cachorrinho e Outros Contos" o foco foram as narrativas curtas de Tchekhov, "O Beijo e Outras Histórias" traz alguns de seus contos de maior fôlego. Organizado e traduzido por Boris Schnaiderman, o volume reúne seis noveletas do exímio contista russo publicadas entre 1887 e 1892. São histórias que passeiam por temas que vão desde o amor e a efemeridade das relações até morte e a psicologia humana, todas elas ornamentadas pela sutileza, sensibilidade e zelo estético que eram tão caros ao escritor.

          "O beijo" e "Viérotchka" tratam do amor. No primeiro, um oficial de artilharia é beijado por engano e o breve gesto, apesar de não durar mais que um piscar de olhos, é o suficiente para despertá-lo para uma vida de miséria e solidão. No segundo, um escritor se vê imobilizado diante de uma declaração de amor inesperada que não faz mais que o mergulhar em um conflito interno. Destoando dos demais, "Kaschtanka" traz uma atmosfera mais lúdica ao narrar as aventuras de uma cadelinha que se perde do dono e acaba indo parar numa espécie de circo. O conto é recheado de humor (destaque para o gato que despreza a tudo e a todos), embora este acabe sendo um pouco ofuscado pela crueldade escancarada com os animais.


          Chegamos a minha parte favorita! A tríade psicológica do livro abre com "Uma crise", conto no qual iremos acompanhar um grupo de jovens estudantes que sai para uma noite de farra, mas, ao frequentar as "casas de tolerância" e entrar em contato com o lado mais sórdido da vida, um deles sucumbe a uma crise moral que pode lhe custar a vida. Em seguida, temos "Uma história enfadonha". Narrada em forma de manuscrito, a obra nos apresenta em primeira mão os tormentos de um renomado professor que, ao tomar consciência da própria finitude, se vê acometido da mais profunda crise existencial. A certa altura ele questiona: "Teria o mundo se tornado pior, e eu melhor, ou antes eu era cego e indiferente?" A narrativa traz muito do pessimismo russo e ecoa traços da típica crise de identidade machadiana.

          Por fim, temos o clássico "Enfermaria nº 6", conto perturbador que nos coloca dentro de um hospital psiquiátrico e narra o declínio do médico-chefe à condição de paciente. É uma história amarga e desesperançosa, que traz à tona temas como a loucura e a condição humana. Os diálogos entre médico e paciente, embebidos de embates filosóficos, são irretocáveis e constituem, sem dúvida, um dos grandes momentos da literatura russa. A conclusão que o médico chega é a de que "A vida é uma triste armadilha. Quando um homem de pensamento alcança a idade viril e atinge uma consciência lúcida, ele se sente involuntariamente como que apanhado numa armadilha, da qual não há saída." Espécie de "O Alienista" russo, a obra tem como marca o mergulho às profundezas mais obscuras da alma, à la Dostoiévski, com o cuidado estético de um Turguêniev. A novela ganhou uma fidedigna adaptação homônima em 2009 (parece que há uma mais antiga também), a qual eu assisti e recomendo fortemente para aqueles que têm interesse pelo tema.

(Médico e paciente na adaptação de "Enfermaria nº 6")

          Tchekhov era médico e isso sem dúvida deu a esses contos psicológicos uma profundidade mais acurada, não por acaso eles roubaram completamente a cena neste volume. Mestre da narrativa curta, o autor sempre dizia ser desafiante escrever histórias mais longas. É no "pouco espaço" que sua sutileza se sobressai. Mas, vemos aqui que, mesmo em um espaço mais abrangente, sua genialidade perdura. É isso, o homem simplesmente escreve bonito! Os belos retratos da natureza que ele pinta, sua sensibilidade ímpar na hora de descrever emoções e o tom poético que ele dota mesmo as personagens mais atormentadas, tudo isso resulta em uma leitura prazerosa, mesmo quando o tema se mostra sombrio. É fato que Dostoiévski escrevia muitas vezes sob condições penosas (em luto, em cárcere, perseguido por credores ou atormentado pela epilepsia), mas sempre me perguntei como seriam seus temas psicológicos se tratados com maior cuidado estético. Os contos de Tchekhov permitem ao leitor um pequeno vislumbre.

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