RESENHA: A Obra - Émile Zola

          Publicada originalmente em 1886, "A obra" teve a difícil tarefa de suceder "Germinal", obra máxima do escritor Émile Zola, expoente do naturalismo francês. Ambientado na efervescente Paris de fins do século XIX, o romance nos coloca em meio a uma confraria de jovens artistas revolucionários que tentam, a todo custo, transgredir as fórmulas estabelecidas e criar uma nova arte, aquela que definirá os rumos do século vindouro. Em seu ateliê, o jovem e excêntrico Claude, nosso protagonista, trabalha obsessivamente na tela que irá concorrer a uma vaga no cobiçado Salon de Paris. Visitado por uma musa improvável, ele acaba por descobrir os encantos da carne feminina. Mas terá a sua ambição chegado ao fim por conta disso?

          Essa primeira parte do livro é marcada por uma atmosfera entusiasta e boemia, onde iremos acompanhar Claude e sua trupe - pintores, escritores, arquitetos, escultores e jornalistas - pelas ruas de Paris, se reunindo em cafés ou na casa de amigos, onde acontecem reuniões regadas a bom vinho, mademoiselles e discussões acaloradas. Mas o despertar de suas paixões logo dá lugar a uma obsessão cada vez mais doentia. Aos poucos, conforme a vida de Claude vai avançando, o romance vai ganhando ares mais sombrios. Levado pela ambição, nosso protagonista parece cada vez mais disposto a renunciar o mundo em prol de sua arte e, para alcançar seus objetivos, ele não irá poupar esforços ou sacrifícios, mesmo que isso signifique a ruína financeira, a degradação de sua família ou a perda da própria sanidade. Essa é a história do gênio atormentado e incompreendido.

          Importante peça do naturalismo francês, o livro abarca temas psicológicos e artísticos que ecoam o dilema das grandes mentes pensantes de sua época, tudo muito bem embalado em uma trama envolvente e repleta de personagens marcantes. Em outra de suas camadas, é também um romance que aborda o papel da arte em si. Quando tenta ingressar no Salon, Claude se depara com uma sólida parede de politicagem, onde são necessárias artimanhas, apadrinhamentos e troca de favores para penetrar. Aqui, o autor escancara os fétidos bastidores do mundo da arte que impregnavam a Paris da virada do século, maquinarias essas que, veremos, não estão tão distantes dos dias atuais. 

          Mesmo os enfadonhos detalhes do mapa das ruas parisienses - sim, Zola abusa um pouquinho nesse ponto - não prejudicaram o meu ritmo de leitura. O virar das páginas ganhava velocidade conforme a obsessão de Claude crescia desenfreada e o protagonista, com quem havia me afeiçoado logo nas primeiras páginas, não demorou a me suscitar dúvidas sobre sua moralidade e sanidade. Em sua febre de artista, o pintor faz suas vítimas - a esposa obrigada a dividir o teto com a amante chamada Arte, a negligência na criação do filho e a dissolução da amizade com alguns de seus camaradas de outrora -, mas, de certa forma, não deixa de ser ele mesmo uma vítima de seu meio. Um romance intrigante que nos faz questionar até onde a ambição é capaz de levar o ser humano e o quanto o meio em que vivemos pode influenciar os nossos atos.

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