RESENHA: Noites Brancas - Fiódor Dostoiévski


          Uma das últimas obras finalizadas por Dostoiévski antes do cárcere, em 1849, "Noites Brancas" é um ponto fora da curva na carreira do escritor russo. Nesta novelinha, publicada apenas um ano antes de sua prisão na Fortaleza de Pedro e Paulo, o autor flerta com as bases do romantismo ao narrar o drama acerca um coração solitário que vaga pelas ruas de uma Petersburgo fantasmagórica. Um sonhador, assim se autointitula o nosso protagonista, um jovem sozinho e melancólico que, para aplacar a solidão, conversa com as casas por onde passa e com os personagens dos livros que lê. Em uma daquelas noites em que o sol parece recusar a se recolher (por isso, "noites brancas"), nosso caminhante solitário se depara com uma mulher aos prantos, seu nome é Nástienka.

          Em um tom romanesco, melancólico e por vezes autodepreciativo, nosso protagonista começa a narrar para a bela jovem a sua história de vida, ou melhor dizendo, de não vida. Logo, uma espécie de romance começa a querer brotar neste solo, mas essa está longe de ser uma história de amor bonitinha. O contato com a alma feminina, apesar de breve, é o bastante para arrancá-lo do mundo dos sonhos e trazê-lo para a realidade. O problema é que, ao despertar para este mundo, o sonhador também perde as bases ilusórias que o sustentavam, e agora, tem de lidar com o vazio da própria existência, até então negligenciada.


          Não é por ser este um Dostoiévski mais "água com açúcar", que não teremos profundidade. Apesar de destoar do restante da obra dostoievskiana por seu tom romanesco, a narrativa ainda assim aborda os temas existenciais que eram tão caros ao escritor. E a pergunta final que o sonhador se faz: "um momento inteiro de júbilo! Não será isto o bastante para uma vida inteira?"; fica ecoando em nós mesmo após guardarmos o livro de volta na estante.

          Penso a tristeza como algo inerente à condição humana. Se não nos sentirmos tristes de vez em quando, não estaríamos levando uma vida artificial? Ou até mesmo uma vida de ilusões, como o protagonista no início do livro? A dor que sentimos não seria a prova cabal de que estamos vivos? Saio dessa leitura com essas e outras questões... Dostoiévski, né? Sempre vale a leitura! E para aqueles que buscam uma porta de entrada para começar a lê-lo mas não querem algo muito denso logo de início, tá aí uma boa pedida.

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