CITAÇÕES: Que Paraíso é Esse? - Francesca Borri


📖 "Porque povos inteiros hoje são tão condenados, por toda a vida, condenados de nascença, a um ergástulo de miséria e marginalidade que ser filipino se tornou hoje um ofício. Não é um adjetivo, não é algo que descreve alguém, é um destino: é algo que define..."

📖 "A impunidade é total, porque na realidade estamos a serviço dos políticos. Eles te encomendam de tudo, de um serviço de panfletagem a um esfaqueamento. Com tabela de preços: 1.200 dólares para quebrar uma vidraça, 600 para queimar um carro, 1.600 para agredir um jornalista. Então, se quiserem, se for útil para eles, te tiram da cadeia. Mais do que tolerância, é cumplicidade. Às vezes, te chamam simplesmente para distrair a opinião pública. Quando se começa a discutir sobre os hospitais que faltam, os transportes que não funcionam, propinas e subornos: te pedem para provocar um pouco de caos. Algumas porradas no estádio. Um pouco de sangue. Assim as pessoas pensam em outra coisa. Pensam que o problema, neste país, somos nós."

📖 "Enquanto isso agora em Gaza já faz dez anos que os palestinos são assediados. Que não têm mais nem água: só água do mar, só água salgada. Você se sente pegajoso o dia inteiro, em Gaza, todos os dias: e um F16, de vez em quando, chega e bombardeia. Chega e você morre. E depois dizem: Hamas."

📖 "A Constituição reconhece a liberdade de opinião, mas com a condição de não a exercer contrariando o Islã. O Islã é a religião do Estado. Somente os muçulmanos podem ser cidadãos das Maldivas. A apostasia é crime. Um crime punido com pena de morte. Não se pode ter outra religião, nem não ter religião. Até agora, quatro admitiram ser ateus. O primeiro se enforcou. O segundo se retratou na cadeia. O terceiro é Hilath Rasheed. Aquele que foi quase decapitado. O quarto não se encontra mais."

📖 "Somos invisíveis. Completamente invisíveis. E vamos continuar assim até um desses rapazes explodir junto com trinta turistas, aí todo mundo vai perceber o que significa de verdade viver aqui. E então mais ninguém virá. E a economia desabará, e o governo prenderá todos. E será um desastre. Será até pior que agora."

📖 "Mas a verdade é que a Síria é a nova Bósnia: uma guerra que não importa a ninguém, que ninguém interrompe, por que deveriam? Quem está sendo exterminado são os muçulmanos. Se fossem cristãos, a ONU interviria imediatamente."

📖 "Tudo isso é proposital. Não é pobreza: é política. [...] Uma população que passa fome é uma população que não tem tempo nem energia para se organizar e derrubar o governo. Que não tem nem mais a capacidade de se organizar. [...] Aqui trabalhamos para pagar o aluguel, e pagamos o aluguel para trabalhar. Nada mais. Não sei te falar de um filme, de um disco. De um livro."

📖 "Nenhuma ONG, nunca, diz que a pobreza tem razões políticas, não querem complicar a vida. E então tratam a pobreza como fenômeno natural. Como a poluição e a malária."

📖 "O problema é que, quando você pensa no Estado, pensa nos hospitais, nas rodovias. Na aposentadoria. Você pensa em algo que te protege. Eu penso em algo do qual preciso me proteger."

📖 "Vocês querem nos impor exatamente as duas coisas que vocês mais criticam. O Estado nacional e a democracia. [...] Mas o que é mais importante: decidir bem ou decidir como a maioria decide? Que no fim nem é a verdadeira maioria: é só a maioria daquela minoria que vai votar. E que muitas vezes nem sabe em quem votou. Então por que é proibido buscar um método melhor?"

📖 "O Iraque, no fundo, arca com as consequências da ocupação americana. O Ba'th, o partido de Saddam, foi declarado ilegal, e todos os funcionários públicos ligados ao partido foram demitidos. [...] O Estado desmoronou. De um dia para o outro. Enquanto os americanos dissolviam também o exército: e milhares de homens acabaram no olho da rua. Sem salário. Sem mais nada: exceto uma arma. No Iraque, no fundo, os jihadistas de hoje são os sunitas que estavam no poder com Saddam, e que com a derrubada de Saddam perderam tudo. E acabaram na mira dos xiitas e de suas represálias. Mas já a uma distância de poucos quilômetros, na Síria, não tem a ver com sunitas e xiitas. Tem a ver com Assad: na Síria ou você está com Assad ou está contra Assad. E, se está contra Assad, fica tão só que está pronto para qualquer coisa. Pronto para aceitar que qualquer um te ajude. Até mesmo a al-Qaeda."

📖 "Na realidade, temos todos uma religião. Princípios incontestáveis. Não crer é um ato de fé tanto quanto crer. Que diferença existe entre o Irã, que prescreve o hijab e te força a se cobrir, e a Turquia, que, ao contrário, proíbe o hijab e te força a não se cobrir?"

📖 "Pode me chamar de Mohammed. Já que para vocês somos todos iguais. Todos os muçulmanos. Para vocês somos todos violentos, ignorantes. Fanáticos somente. [...] Porém, para vocês, os europeus que combatem contra os curdos combatem pela liberdade. E na verdade eles combatem a guerra deles. Como nós. Como todos. [...] Contra Assad vocês ficaram olhando. Com 500 mil mortos: ficaram olhando. Mas foi só mexerem com Mossul, que todos intervieram. E por quê? Porque o petróleo está em Mossul. Porque é esta a prioridade de vocês. O petróleo. [...] Vocês ficam todos atrás de Israel. Todos estudando seus métodos. Comprando a sua tecnologia, os seus sistemas de vigilância. E, de fato, é justamente o país com o qual aprender. Faz setenta anos que controla os palestinos um por um. Eles têm espiões, câmeras. Postos de controle em todo lugar. Sabem tudo de todo mundo. E não têm limites: ninguém fala nada, podem atirar contra qualquer pessoa. [...] Hoje no mundo uma minoria da população possui tudo. Quanto será? Dez por cento? E não é que vocês pensam que o mundo, assim, não pode funcionar: vocês pensam que querem estar naqueles 10%. Depois você diz para mim: violento. Você tem a guerra em casa."

📖 "Um dia pensei em procurar umas velhas fotos de Gaza, porque um tempo antes, por acaso, tinha visto essa foto de uma moça, nos anos 1960, em um café. Uma moça de minissaia, com cigarro. Os cabelos daqueles anos. Em Gaza: parecia Paris. [...] E então pensei nesses retratos dos palestinos: com uma velha foto deles na mão, a mesma pessoa, no mesmo lugar, mas entre os destroços da guerra, agora. E do Hamas. Da vida sob o Hamas. E, porém, não encontrei nenhuma foto. Entre bombardeios e demolições, transferências, fugas, em Gaza ninguém mais tinha uma foto. Ninguém. Nem sequer uma. E a essa altura fica simples para o Hamas, para a al-Qaeda, para qualquer um, dizer: Voltemos ao passado. A tradição. Deus nos chamou de volta à vida de antes. Voltemos a quando todas usavam o véu."

📖 "Hoje, aqui mesmo, tinha uma mãe com suas duas filhas. Duas meninas de uns quatro, cinco anos, com o balde e a pazinha, as forminhas, uma com uma camiseta de listras brancas e azuis, a outra com uma camiseta amarela e rabinhos com elástico vermelho. A mãe completamente coberta. Completamente vestida de preto. Sorriu para mim, gentil, não falava inglês, ou seja, na realidade eu não falava dhivehi, e então me sorriu, gentil, enquanto brincava com as filhas; riam, alegres, todas as três, jogavam areia umas nas outras e... e quem sou eu, para julgar? Para decidir que não é livre uma mulher assim? Por que eu? As minhas escolhas: o quanto são minhas de verdade?"

📖 "A xaria aqui tem uma evidente conotação política. [...] As mulheres açoitadas na praça. E no meio de uma multidão que aprova e, aliás, pede penas mais severas. Aquelas mulheres não são com certeza as mulheres abastadas de Malé: porque a prova da fornicação é o filho fora do casamento, e as mulheres ricas, e estudadas, usam contraceptivos. Fazem aborto. As chibatadas são a típica punição que no fim recai apenas sobre os pobres. Têm um forte componente de classe. São aqueles crimes que se encontram em toda legislação, na realidade, em todo país, os quais, pela forma como estão estruturados, pela forma como são definidos, recaem apenas sobre certa parte da população. Só os negros. Só os imigrantes. São aqueles crimes que mantêm unida a sociedade: porque criam o Outro. O Outro em relação ao qual somos melhores. O Outro sobre o qual jogamos toda culpa."

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